quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

PREVINE 2014: OS DESAFIOS DE ENCONTRAR NOVOS CAMINHOS PARA A PREVENÇÃO


Profissionais, lideranças e estudantes lotaram o auditório do Museu Nacional de Brasília-DF


O problema das drogas se resolve com a oferta de alternativas e não com a criminalização dos usuários. A receita veio dos Estados Unidos através do discurso do pesquisador da Universidade de Columbia, Carl Hart, na palestra principal do I Congresso Internacional de Prevenção dos Problemas Relacionados ao Uso de Drogas – Previne 2014. Hart é autor do livro: “Um preço muito alto”, no qual ele relata suas experiências de jovem negro de um gueto de Miami que se tornou um professor de neurociências da Columbia.




Para Hart, a relação entre drogas, pobreza e violência não tem fundamento, já que se retirar a droga da referida equação continuarão a existir a pobreza e a violência. O pesquisador entusiasmou parte do público de formadores de opinião que participou do Previne 2014, realizado de 27 a 28, no auditório do Museu Nacional de Brasília. O evento foi promovido pela SENAD, do Ministério da Justiça, Ministério da Saúde e Universidade Federal de Santa Catarina.


Hart atribui o pânico que existe na sociedade, com relação ao uso de drogas, à inadequação dos métodos de pesquisas utilizando animais. Nas pesquisas que realizou com jovens usuários de drogas os resultados foram diferentes porque ele oferecia outras alternativas mais valorizadas que a droga, ou seja, dinheiro. “Os jovens preferem receber dinheiro a usar drogas”, garante o pesquisador.


Para enfatizar que o uso de drogas não é determinante para que se tenha problemas na sociedade, o pesquisador citou os exemplos dos presidentes dos Estados Unidos: Bill Clinton, W. Bush e Obama, que fizeram uso de drogas na juventude e mesmo assim foram bem sucedidos na vida.


Segundo Hart, nos Estados Unidos, 80% das prisões efetuadas pelo uso de crack são de pessoas negras, o que se caracteriza como um problema de discriminação racial. “Os negros são quatro vezes mais propensos de serem presos do que os brancos”, afirmou o pesquisador.


O pesquisador é um defensor da descriminalização do uso de drogas e de um forte investimento em alternativas para a juventude, a exemplo de emprego, boa alimentação e educação. No entanto, Hart reconhece que existe uma minoria na sociedade que tem problemas com o uso de drogas, que ele considera irrelevante para ter políticas específicas.


Sobre a maconha, o pesquisador afirmou que quatro Estados americanos já liberaram o produto para uso recreacional e 23 para uso medicinal. O mito de que o uso da maconha causa perturbação ou enlouque os usuários foi criado pela publicidade americana, assinalou Hart.


O público que participou atentamente da palestra do cientista americano ficou dividido entre a cruz e a espada: alguns chegaram a alegar experiências de dependência pessoal pelo uso de drogas, enquanto outros concordaram plenamente com a preleção do professor Carl Hart.


PREVENÇÃO


A programação cultural do evento teve início com a palestra sobre o tabagismo realizada pela doutora Vera Lucia da Costa e Silva, chefe do secretariado da convenção-quadros para o controle do tabaco da OMS. Segundo ela, na nossa cultura “ser homem é uma condição sistêmica para o uso de drogas”.



Á direita da foto

Apesar das mudanças culturais sobre o uso do tabaco que há 30 anos era um companheiro indispensável do cafezinho, que faz parte da nossa cultura alimentícia, ainda existe 1,3 bilhão de fumantes no mundo, sendo 80% em países em desenvolvimento. Segundo ela, são seis milhões de morte por ano e 100 mil adolescentes se tornando dependentes do cigarro por dia, principalmente, em países em desenvolvimento.


O evento foi rico em experiências na área da prevenção ao uso de substâncias, sendo que
a maioria dos trabalhos apresentados tinham sido realizados com a utilização das ferramentas do Elos, Tamojunto e Fortalecento Famílias; metodologias que foram introduzidas nas escolas através de projeto da Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde, no contexto das políticas públicas sobre drogas.




Zila Van Der Meer Sanchez (USP)


O projeto de prevenção da Coordenação de Saúde Mental foi bem dissecado na mesa sobre prevenção nas escolas, com a apresentação de indicadores que buscam validar a metodologia.




 Gregor Burkhart - Observatório Europeu de Drogas


Uma mesa de destaque no evento abordou o tema: Prevenção – da ciência à realidade brasileira, na qual o pesquisador Gregor Bukhart, do Observatório Europeu de Drogas e Toxicodependências, fez uma análise retrospectiva de todas as metodologias conhecidas na área da prevenção, elencando os prós e contras. Ele criticou os métodos racionalistas da prevenção, enfatizando que é mais adequado lidar com as situações concretas que geram capacidade, oportunidade e motivação.


O professor Jessé Souza, autor do livro “A ralé brasileira - quem é e como vive", afirmou que as drogas estão em todas as classes sociais. No entanto, para o pesquisador, o uso desses produtos na classe média não destrói as relações necessárias à reprodução da vida. Já o uso de drogas nas classes proletárias, sem a oferta de outras alternativas, impede o desenvolvimento pessoal.



A partir da esquerda: Roberto Tikanori (MS), Jessé Souza (UFF) e Leon Garcia (SENAD)


O professor ilustrou sua fala com o exemplo de que um indivíduo da classe média que estudou pouco, sempre tem mais probabilidades de evoluir social e economicamente do que uma pessoas pobre que estudou muito.



Fátima Sudbrack - Redes de Prevenção


A professora Fátima Sudbrack, da UnB, trouxe para o público do evento as experiências de vários anos de academia lidando com os métodos de prevenção comunitária. Para ela, a prevenção deve considerar as demandas locais no cruzamento dos saberes coletivos.


A pesquisadora também defendeu a dimensão participativa da prevenção e o enraizamento das intervenções no tecido social, buscando as parcerias múltiplas e o empoderamento das comunidades. Para Sudbrack, é importante mudar os paradigmas da prevenção e das intervenções construindo novas representações no campo da superação dos estigmas e dos preconceitos.



A partir da esquerda: Denis Petuco, Nathália Oliveira, mediador, Sudbrack e o Padre Vilson Groh


O trabalho do padre Vilson Groh, do Projeto em Rede, desenvolvido com jovens em situação de vulnerabilidades sociais em Florianópolis, foi um dos mais aplaudidos do evento. Segundo o padre Vilson, não são os jovens que estão em conflito com a lei, mas a lei está em conflito com os jovens. No seu trabalho, que afasta os jovens das drogas e da criminalidade, ele “não olha o dano, mas o capital social existente na comunidade”.

Muitas outras abordagens desfilaram pelas mesas de debates do evento, demonstrando a criatividade e a competência de acadêmicos e profissionais que atuam na área da prevenção ao uso de drogas, a exemplo do trabalho de Nathália Oliveira, do Centro de Convivência É de Lei; bem como a criatividade de Dênis Petuco, na interpretação das campanhas de prevenção ao uso de drogas em um trabalho de mestrado. O pesquisador revelou, no seu trabalho, que as campanhas de prevenção criam seres intocáveis como os “zumbi” dos filmes de terror para estigmatizar os usuários drogas.



Nara Santos, Daniela Schneider e Ana Cecília


O evento foi uma excelente oportunidade para os profissionais e os formadores de opinião, que atuam na área das políticas sobre drogas, conhecerem as metodologias que estão em desenvolvimento nas diversas regiões do País e, desta forma, poderem aderir aos editais que serão abertas pela SENAD em 2015, com o objetivo de fomentar ações de prevenção ao uso de drogas nas escolas e nas comunidades.



 Crisvalter Medeiros