quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Coordenadora do CRR da UFPel-RS, professora Beatriz Franchini, participa da certificação dos profissionais do CRR-IFPB


 Entrevista a Crisvalter Medeiros

A professora Beatriz Franchini, coordenadora do Centro Regional de Referência para a Formação Permanente dos Profissionais da Rede de Atenção aos Usuários de Crack e outras Drogas, da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul-UFPel, participou da solenidade de certificação dos profissionais que concluíram os cursos oferecidos pelo CRR-IFPB, no último sábado (10), em João Pessoa. Em entrevista, a professora Beatriz Franchini, comentou sobre o plano de enfrentamento ao crack e outras drogas e enfatizou a importância dos Centros Regionais de Referência, no contexto das políticas sobre drogas.

“... a gente tem que ter esperança e não podemos tratar o usuário de drogas como uma pessoa sem possibilidades, nós temos o dever de apoiar essas pessoas”. Beatriz Franchini


P. Qual a sua expectativa com os Centros Regionais de Referência ?

R. Eu acredito nesse projeto, é tanto que a nossa Universidade tem se empenhado em executá-lo, só estou preocupada com a continuidade dele. Acredito que com o lançamento da 2ª edição do plano de enfrentamento ao crack essa continuidade já está garantida. O projeto vai ao encontro das necessidades que os profissionais tem de conhecer um pouco mais sobre a dependência química, porque há em torno deste tema muita mistificação. Os usuários de drogas são vistos como criminosos, marginais; uma pessoa prestes a cometer algum delito e isto afasta a sociedade e os profissionais também acabam se afastando deles. No Rio Grande do Sul os usuários de drogas não conseguem acessar os serviços de saúde. Portanto, as capacitações realizadas pelos centros regionais de referência permitem formar pessoas para dar algum suporte aos usuários e seus familiares. O projeto é muito positivo, temos que dar continuidade e, cada vez mais, tentar abranger um maior número de pessoas.

P. Como você analisa os cursos oferecidos nessa primeira versão dos CRRs, ou seja, cursos só para médicos, para psicólogos e assistentes sociais e para redutores de danos e outros agentes sociais?

R.  A visão de oferecer um curso separado só para médicos foi de alcançar esse segmento que se via distante do problema das drogas. Os cursos contemplam as áreas mais frágeis, a exemplo da médica e dos trabalhadores em hospitais gerais. Depois da reforma psiquiátrica é preferível que os usuários sejam atendidos em hospitais gerais e há uma carência muito grande de mão de obra especializada nesta área para receber os usuários. Um grande avanço foi contemplar a rede de atenção básica da saúde e a rede de assistência social. Eu acho que na verdade, os cursos suprem muitas carências de formação e democratizam o conhecimento, portanto, a fragmentação foi para atender profissionais de outros meios e não apenas em hospitais psiquiátricos, o que possibilita a intervenção do usuário em liberdade.

P. Qual a sua expectativa com a segunda edição do plano de enfrentamento ao crack e outras drogas?

R. Eu acho que houve alguns avanços, gostei muito do slogan do plano que é “Conte com a gente”, é bem acolhedor e que abre as portas para os usuários de drogas. Por outro lado, o plano vai financiar as comunidades terapêuticas que foi um dispositivo fortemente rechaçado na conferência de saúde mental. Pensando dessa maneira, o país inteiro recusou essa modalidade de tratamento e agora o governo vai financiá-la, isso para nós da saúde é um retrocesso que está embasado em influências político-partidárias que estão forçando o financiamento desses dispositivos com recursos públicos.

P. Você se refere às questões mais polêmicas do plano que são as internações compulsórias e o financiamento de comunidades terapêuticas?

R. As internações compulsórias são sustentadas pelo pânico social que a mídia criou, e continua criando, em torno do crack com várias reportagens que apoiam os interesses econômicos específicos de algumas áreas privadas que vão receber muito dinheiro com esse dispositivo do plano de enfrentamento ao crack. Entretanto, essas internações compulsórias já estavam acontecendo através de ordem judicial. Acho que é um grande retrocesso para um país democrático que já fez a reforma  sanitária e está há mais de 20 anos da reforma psiquiátrica. É um grande retrocesso, mas nós temos que nos organizar para tentar demonstrar isso à sociedade.

P. Você acha que houve ingerência política na elaboração do plano?

R. Na verdade são interesses políticos e econômicos. A reforma psiquiátrica foi feita para acabar com esse tipo de internação. Por outro lado, vem essa questão do crack que novamente vai dar uma abertura para as internações em locais fechados, quando já está mais que comprovado de que o isolamento não ajuda a ninguém.

P. Isso talvez faça voltar a visão moral sobre os usuários de drogas...

R. Certamente, a visão moral e a higienista que são estigmatizantes.

P. O que poderá acontecer?

R. Haverá muitas manifestações contrárias às internações compulsórias e o tempo vai continuar mostrando que esse método é ineficaz. Se a pessoa é um dependente químico ela deverá ser motivada a aceitar o tratamento e de forma compulsória isso não acontece nunca.

P. Esse parece ser o caminho mais fácil...

R. Mais fácil para quem não quer ver a realidade.

P. Priorizar o crack parece ser uma inversão, não é o álcool que ainda causa os maiores problemas?

R. Exatamente, o álcool e o tabaco lideram os problemas que causam mais internações e gastos na área da saúde. O crack tem uma representatividade íntima, mas ele tem sido usado pela mídia para causar pânico na sociedade como se fosse uma coisa nova. Mas isso não é novo, é uma situação antiga e que chegou à contemporaneidade, é bom lembrar que nunca houve sociedade sem drogas. Ninguém sobrevive sem drogas, lá no sul nós tomamos chimarrão, em outras regiões se toma muito café, cerveja, álcool; outros tomam medicamentos para dormir. Nós temos que aprender a conviver com as drogas e buscar reduzir ao máximo os danos à saúde e promover a qualidade de vida dos usuários. É impossível erradicar as drogas, o ser humano não consegue viver a realidade sem ficar muito tempo sem fugir um pouco dela.

P. Voltando um pouco aos Centros Regionais de Referência, o que você acha da regionalização dessa política?

R. Foi ótimo. A política de financiamento deixou de ser centralizada permitindo que pessoas de outras regiões interioranas participem. Muitas vezes as pessoas não tem condições de se deslocar para um grande centro em busca de solução para o problema e com a descentralização do financiamento o acesso foi democratizado.  Nosso papel é informar e fazer intervenções para que as pessoas e os profissionais desmistifiquem essa questão das drogas, consigam acolher os usuários sem pressões pela abstinência ou cessação de uso, o que só afasta os usuários dos serviços e traz frustrações tanto para eles como para os profissionais.

P. Qual o papel da mídia nessa área?

R. A mídia tem disseminado o pânico como se as drogas fossem as únicas causadoras dos problemas da sociedade e nós sabemos que isso não é verdade. O crack tem sido usado como bode expiatório nesse momento. As famílias entram em pânico achando que são incapazes de ajudar os seus usuários pensando que só a internação ou a prisão são as únicas saídas. As famílias não se identificam como recurso para apoiar os seus usuários, os profissionais acabam por se afastar também e nós sabemos que tudo o que eles mais precisam é desse apoio, da nossa escuta

P. Como você vê as intervenções alternativas, a exemplo dos grupos de mútua-ajuda?

R. Eu acho excelente. Nós temos que oferecer um cardápio de opções aos usuários. Algumas pessoas só vão ficar bem com a abstinência total, outras nunca vão conseguir essa abstinência, e ainda outras vão se apoiar na religião; há também quem encontre apoio nos esportes, na música, no lazer. Seria bom que todos conseguissem parar, só que essa não é a nossa realidade. Portanto, a gente também tem que lidar com aqueles que não conseguem parar tentando incluí-los em outras linhas de atuação.

P. Você é otimista com relação à recuperação da dependência química?

R. Se eu não fosse otimista não estaria mais trabalhando nessa área. Nós temos que passar a visão para as pessoas de que nós não devemos desistir dos dependentes químicos. O que me preocupa são os slogans imediatistas, a exemplo de “Crack nem Pensar”. Isso me preocupa muito, porque passa a imagem de que o usuário de drogas não tem mais chances na vida. A gente não pode investir nessa concepção de que uma vez usuário de crack a pessoa vai morrer, vai desestabilizar toda a família, vai acabar com a vida de todo mundo. Não é assim, a gente tem que ter esperança e não podemos tratar o usuário de drogas como uma pessoa sem possibilidades, nós temos o dever de apoiar essas pessoas.

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