Duas décadas após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, estatísticas mostram progresso na qualidade de vida dos brasileiros com menos de 18 anos. Lei ainda é foco de debates na Câmara, onde tramitam 169 propostas de mudanças.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) completa 20 anos neste 13 de julho e alguns números apontam para uma melhora expressiva na vida de quase
60 milhões de brasileiros com menos de 18 anos, nas duas últimas décadas. Em seus 267 artigos, o ECA, como é mais conhecido, impôs ao Estado e à sociedade uma série de obrigações e deveres que resultaram em uma grande rede de proteção social para crianças e adolescentes.
Os números falam por si: em 20 anos a mortalidade infantil caiu mais de 60%; o analfabetismo entre as crianças de 10 a 14 anos, que era de 14%, em 1990, foi reduzido a 2,8% (dados do IBGE de 2008); e o trabalho infantil, outra chaga brasileira, teve queda de 50% em quase 20 anos. No entanto, ainda seguem altos os índices de gravidez na adolescência; e a violência contra crianças e adolescentes continua sendo um problema de difícil solução.
“Ainda é necessário avançar mais nas áreas de educação, saúde, segurança, lazer, esportes e vida digna. Mas nestes 20 anos esses meninos e meninas foram beneficiados por importantes ações que garantiram seus direitos fundamentais”, avalia o deputado Pedro Wilson (PT-GO), que propôs a realização de um seminário para debater os resultados do ECA.A lei ainda é alvo de constantes debates no Legislativo: atualmente, 34 projetos de lei que alteram o estatuto já foram aprovados em pelo menos uma comissão da Câmara. No total, tramitam 169 propostas de mudança do ECA.
Para Pedro Wilson, o mais importante é que o estatuto aumentou a conscientização e a participação dos pais, que passaram a contribuir de maneira afirmativa com o futuro dos jovens e das crianças, “seja nas campanhas de mobilização como vacinação, seja na participação de programas sociais como o Bolsa FamíliaPrograma de transferência de renda destinado a famílias em situação de pobreza, com renda mensal até de R$ 140 per capita. Os valores pagos pelo Bolsa Família variam de R$ 22 a R$ 200, de acordo com a renda e com o número de crianças e adolescentes da família. Para receber o benefício, a família precisa ainda matricular e manter os filhos na escola, além de cumprir o calendário de vacinação.
Atualmente, mais de 11 milhões de famílias são atendidas pelo programa em todos os municípios brasileiros., ou na exigência de seus direitos, através dos conselhos tutelares e municipais de saúde, educação e assistência social, como instrumentos legais da luta pela garantia dos direitos fundamentais de seus filhos”.
Gargalos
Para a deputada Rita Camata (PSDB-ES), que foi relatora da proposta que resultou na Lei 8.069/90, não há dúvidas de que houve muitos avanços, sobretudo nos indicadores sociais. Ela relaciona melhorias para renda familiar, mortalidade e desnutrição infantil, escolarização, implementação de políticas e planos nacionais de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, e na criação de instrumentos de combate ao trabalho infantil.
Por outro lado, lembra a deputada, é preciso melhorar a qualidade do ensino, capacitando profissionais da área. “Também ainda há gargalos como as políticas socioeducativas que são altamente deficitárias”, disse. Ela lembra o fato de mais de um milhão de crianças e adolescentes estarem inseridas no mercado de trabalho, com uma jornada em média de 26 horas semanais e muitos trabalhando em atividades não remuneradas.
Rita Camata afirma que o ECA ajudou a construir os marcos legais que ainda orientam os passos em direção ao enfrentamento do problema e à consolidação dessa conscientização em relação às crianças e adolescentes. “É preciso mudar a cultura a favor das crianças e adolescentes de nosso País. Uma cultura mais respeitosa, amorosa e terna, que, certamente, resultará em um futuro mais promissor a todos nós”, completou a relatora.
LEIA MAIS SOBRE O ECA:
Ministério da Justiça quer critérios claros para aplicação do estatuto
Foto:Ivaldo Cavalcante
Para especialistas, internação de adolescentes infratores deveria ser última alternativa.
O Ministério da Justiça deve enviar ao Congresso Nacional uma proposta para definir novos critérios de aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O estatuto está completando 20 anos, mas ainda é alvo de críticas de especialistas que lidam com jovens infratores. Uma pesquisa feita pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e financiada pelo Ministério da Justiça mostra que a lei é interpretada de maneiras diferentes pelos juízes, o que dificulta seu cumprimento.
Os pesquisadores concluíram que há excesso de internações de jovens infratores, o que deveria ser a última alternativa. De acordo com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, vinculada à Presidência da República, hoje há 11.901 adolescentes internados no País. Outros 3.471 estão em internação provisória. Sobre as outras medidas, como prestação de serviço comunitário e reparação do dano, não há estatísticas.
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, os pesquisadores constataram que 89% das decisões foram alvo de recursos. Mas 91% deles foram negados. O índice também é alto na Bahia, onde 46% dos condenados entraram com recurso. Desses, mais de 66% foram negados.
A pesquisa de campo foi feita em tribunais de Justiça dos estados de São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Rio Grande do Sul e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no período de janeiro de 2008 a julho de 2009. Ela indica que o tratamento dispensado ao adolescente autor de infração penal no Brasil é até mais severo do que o destinado ao infrator adulto.
Nova lei
Para acabar com a discrepância entre o que está na lei e a interpretação dos juízes, o Ministério da Justiça quer enviar ao Congresso Nacional, até o fim deste ano, um anteprojeto de lei para definir melhor a aplicação do ECA.
Para acabar com a discrepância entre o que está na lei e a interpretação dos juízes, o Ministério da Justiça quer enviar ao Congresso Nacional, até o fim deste ano, um anteprojeto de lei para definir melhor a aplicação do ECA.
Felipe de Paula, do Ministério da Justiça, destaca que a pesquisa aponta que é preciso deixar mais claro quais são as garantias, especialmente as constitucionais, que precisam ser replicadas no ECA. “Que tipo de garantias não estão sendo observadas? É preciso dar critérios objetivos para a aplicação da internação. Fazer com que o juiz fundamente melhor sua decisão”, afirma.
O levantamento da UFBA registrou casos em que não foi realizada a confrontação de testemunhas, que muitas vezes são ouvidas apenas pelo defensor, sem a presença do adolescente. Outro fator indicado pela pesquisa é o baixo número de testemunhas e até mesmo de provas para a condenação do adolescente.
A advogada Karyna Sposato, uma das coordenadoras do levantamento, disse que a pesquisa mostra a necessidade de “se criar mecanismos mais rígidos, condições mais detalhadas e mais claras que levem à aplicação dessa medida, para que ela não seja banalizada e aplicada de forma excessiva, como ainda acontece”.
Para o deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), se o estatuto estivesse sendo aplicado em todas as suas normas preconizativas, a situação da criança e do adolescente estaria bem melhor. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), por sua vez, acredita que a pesquisa mostra que a lei não foi ainda de todo incorporada e assumida pela sociedade. “Vinte anos não foram suficientes, então vamos continuar defendendo essa legislação, exigindo que ela inspire ações de governo nos três níveis: federal, estadual e municipal. E que ela de fato assegure plenamente os direitos de nossas crianças e adolescentes”, observa.
Deputada defende varas especializadas para combater violência nos estados
Recentemente a deputada Rita Camata (PSDB-ES) denunciou em plenário a realidade da violência contra crianças e adolescentes no Espírito Santo. Segundo ela, só neste ano mais de 500 crianças e adolescentes foram vítimas de abuso sexual, negligência, maus tratos e tortura na Grande Vitória.
Esse quadro, acrescentou a deputada, é recorrente no restante do País. Entre 2003 e 2010, o Disque Denúncia (100), coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, recebeu mais de 2 milhões de chamadas telefônicas e 123 mil denúncias encaminhadas para apuração.
“É uma iniciativa que vem ampliando a conscientização e o envolvimento de toda a sociedade quanto à exigência de responsabilização dos autores desses crimes que atravessam tantos lares brasileiros”, observou.
Rita Camata lamenta que apenas três estados tenham varas especializadas em crimes contra crianças e adolescentes, apesar de haver a Justiça da Infância e Juventude em todo o País. Segundo ela, tais varas reduzem em até três vezes o tempo de espera por uma resposta judicial.
“Também não há políticas públicas adequadas de educação voltadas à primeira infância. É preciso assegurar a todas as crianças, indistintamente, desde a creche e a pré-escola até as jornadas ampliadas na educação formal”, disse.
Ela citou ainda dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) que apontam mais de 80% de crianças de 0 a 3 anos de idade fora das creches. “É atendido somente 1,7 milhão do total de 11 milhões nessa faixa etária”, concluiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário