quarta-feira, 20 de outubro de 2010

SITE DA ABEAD ENTREVISTA PROFESSORA VANIA MEDEIROS, COORDENADORA DO NETDEQ-IFPB


Professora Vania Medeiros, coordenadora do NETDEQ

Vânia Medeiros é coordenadora das atividades do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Dependência Química – Netdeq/IFPB, membro da Abead e da comissão organizadora da Jornada Paraíbana. A convite da Abead, Vânia falou sobre o projeto que desenvolve no Nordeste. 

Jornalista Carolina Fagnani – Porto Alegre –RS

Como coordenadora do NETDEQ, órgão da Pró-Reitoria de Extensão do IFPB, como a senhora avalia o atual cenário da dependência química no país? A região Nordeste, em particular a Paraíba, possui as mesmas características dos outros estados? Se não, no que diferem?

 No segundo levantamento domiciliar de uso de drogas, a região Nordeste é a que apresenta o maior índice de dependência de álcool (16,9%). Entre os adolescentes, com idade de 13 a 17 anos, este índice é de 13,8%, também o mais alto do país. Nota-se que tem ocorrido um aumento no uso de drogas ilícitas. O problema se agrava ainda mais na Paraíba, porque as iniciativas públicas de disponibilização de leitos ou de atendimento nos centros especializados são muito menores que em outras regiões. Por outro lado, os empreendimentos particulares são ainda muito insignificantes para o atendimento da demanda. As pessoas que precisam de tratamento precisam sair para outras regiões, o que dificulta ainda mais a intervenção, tornando-a mais cara e restrita. Os grupos de mútua-ajuda, que em outras regiões se apresentam como um recurso alternativo, em nosso estado não estão consolidados. Com exceção do A.A., esses grupos locais têm se constituído em uma experiência intermitente, de difícil sustentabilidade. Na Paraíba, a formação especializada de profissionais e as ações institucionalizadas com investimentos públicos são fatos ainda recentes que não apresentaram resultados.

O núcleo que coordeno, o Netdeq-Núcleo de Estudos em Dependência Química, tem procurado construir dados acerca da realidade local das escolas. Uma pesquisa realizada em 2007, entre estudantes do ensino fundamental de uma escola pública de João Pessoa, apresentou um aumento relevante de uso na vida para as drogas ilícitas. Dados comparativos ao V levantamento entre estudantes (CEBRID, 2004), mostrou que para os inalantes o índice de uso é o dobro dos valores nacional e regional, e 1,5 mais alto que os dados municipais. Constatou-se que o uso de maconha, entre os estudantes investigados, foi o triplo de uso na vida que os dados regionais e municipais apresentam, e 2,4 vezes maior que o uso na vida, conforme os dados da pesquisa nacional. Outro aspecto importante diz respeito ao uso na vida de tabaco. Foi observado um aumento de quase o dobro em relação aos dados nacionais, regionais e municipais. Mesmo diante dessas peculiaridades, estou otimista com as ações que estão acontecendo em nosso estado. Há pouco mais de dois anos surgiu o COMAD, em João Pessoa; foi lançado recentemente o Programa Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas; e inaugurado neste mês um CAPS-Ad III para atendimento à demanda estadual. Os dados que apresentamos podem ser significativas para o planejamento de ações que sejam eficientes não só no atendimento à dependência química, mas principalmente na prevenção. O COMAD realizou neste ano a I Conferência Municipal sobre Políticas  Públicas de Drogas e as escolas estiveram presentes nesta discussão refletindo e começando a acreditar na sua capacidade de intervenção. 


Em véspera de eleições presidenciais, como a senhora encara a preocupação dada ao tema pelos candidatos e pela mídia? As propostas estão de acordo com a necessidade? A região Nordeste recebe a atenção necessária por parte do Governo Federal?

O discurso da mídia é construído de acordo com os interesses dos veículos ou de grupos que esses veículos representam. Esse discurso também pode ser prejudicado pelas especificidades dos veículos que primam pelo imediatismo e sensacionalismo. Já os políticos, candidatos ou não, apenas reproduzem o discurso apressado da mídia. A mídia e os políticos são superficiais quando dão ênfase ao problema do crack, e dão pouco destaque aos problemas correlatos ao álcool. Para se construir uma intervenção eficaz no uso de drogas ilícitas deve-se considerar a epidemiologia das drogas lícitas. Sendo um tema complexo, creio que os candidatos às eleições presidenciais estão se protegendo de polêmicas. Gostaria de vê-los discutindo nos debates as propostas para a Política de Controle do Álcool e para a Rede de Atendimento à Dependência Química (que modelos de intervenção eles defendem e como vão fortalecer os recursos comunitários).

Com relação ao que foi feito no Nordeste, acho que os impactos na rede de atendimento são muito insignificantes, mas quero refletir nas Políticas Intersetorializadas que possibilitem ações integradas. As Políticas de Inclusão Social associadas às Políticas de Educação e de Saúde poderão nos levar a um quadro epidemiológico diferente. O Netdeq, por exemplo, é fruto da Política de Inclusão Social, que se pauta na expansão da rede de ensino profissional no país, com atenção à implementação das Políticas de Extensão associadas às Políticas sobre Drogas. O Caps III também é resultado de uma Política de Saúde Mental.

 Aqui na Paraíba estamos começando a entrar no cenário nacional de discussões e deixando de ser apenas números estatísticos que compõem a epidemiologia nacional. Agora, é um problema para se resolver a várias mãos, não adianta ter políticas nesta área sem pessoas interessadas em se envolver na execução delas. Necessitamos de mais atores e o desafio que estamos assumindo no nosso estado é sensibilizar profissionais, instituições e pessoas que tenham disponibilidade para se envolver com a causa da prevenção.

O seu projeto tem como objetivo promover estudos, pesquisas e desenvolver atividades de extensão na área de prevenção ao uso de drogas, principalmente nas escolas públicas e privadas. Em sua opinião, como a formação escolar se relaciona ao assunto? Como você avalia a importância da conscientização e especialização dos profissionais de educação?

 Sou educadora há mais de vinte anos e assisti a evolução dos problemas de uso de drogas entre estudantes no ensino médio e superior. Dou aulas no curso de Licenciatura em Química e estou muito próxima do sentimento de baixa auto-eficácia que está presente nos formandos, especialmente no que diz respeito ao atendimento a esta demanda. Vejo a importância de trabalhar com os professores, em processo de formação, um currículo que desenvolva habilidades e competências para que eles se transformem em atores de uma rede de apoio à saúde dos estudantes. Só conseguiremos ser eficazes na prevenção quando efetivarmos a associação das Políticas Públicas sobre Drogas às Políticas de Educação, já orientadas em 2006 pela Lei 11.343. No Netdeq, estamos desenvolvendo e avaliando práticas pedagógicas fundamentadas na teoria de rede social e nos pilares da transdisciplinaridade, indo para fora dos muros institucionais e rompendo as barreiras disciplinares para a integração de saberes. Além de termos inserido no currículo uma disciplina que trabalha os modelos de prevenção, construímos projetos de pesquisas que integram estudantes de diferentes níveis de ensino e áreas. Nos projetos de iniciação científica conseguimos integrar estudantes do ensino médio com graduandos das áreas de saúde, serviço social, comunicação, justiça, educação e tecnologia.

A metodologia do NETDEQ é a formação de técnicos e multiplicadores na área de políticas públicas sobre drogas. A senhora acredita que essa é a melhor maneira de combater o problema da drogadição, investir na capacitação dos profissionais? O que mais influencia no processo? Qual seria a receita ideal para enfrentar a questão?

 Na Paraíba, as iniciativas de formação de profissionais para atuar na implantação das Políticas Públicas sobre Drogas ainda são incipientes. Reconhecendo esta realidade assumimos a responsabilidade de articular iniciativas que possibilitem a capacitação continuada de profissionais das diversas áreas do conhecimento. Para um problema complexo são necessários diferentes olhares e saberes, nossos cursos, além de formar, também tem representado espaços de construção de ideias e projetos técnicos envolvendo atores sociais.

Como é a relação e a colaboração do projeto com as crianças e adolescentes da Paraíba? O projeto desenvolve atividades em outros Estados?

 O Netdeq propõe a formação de educadores e profissionais para a Rede de Atenção às Crianças e Adolescentes. Recentemente, articulamos uma parceria com a Unifesp que resultou no I Curso de Pós-Graduação do Nordeste em promoção da saúde e prevenção ao uso de substâncias psicoativas. Participaram do curso 54 profissionais da rede que atuam na Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará. Outra parceria estabelecida com a UFPB e o Sistema de Atendimento Sócioeducativo possibilitou a formação de cerca de 400 profissionais do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), envolvendo onze municípios do estado. A participação do Netdeq nesta iniciativa foi trabalhar a questão do uso de drogas por adolescentes e a importância da mobilização social para a construção de políticas públicas.

Quais são os planos para o futuro? Quais as metas que o NETDEQ pretende alcançar nos próximos anos?

 A principal meta do Netdeq é incluir o profissional da educação nas discussões e nas ações de intervenção desta realidade. Estamos planejando a IV versão na Paraíba do Seminário Nacional de Prevenção ao Uso de Drogas nas Escolas para o próximo ano. Pretendemos também desenvolver, avaliar e registrar experiências de caráter comunitário, que avancem para além dos muros da escola, integrando aos modelos educacionais de prevenção a metodologia de advocacy, com o objetivo de promover a mobilização social para a implantação das Políticas Públicas sobre Drogas. Estamos pautados na idéia de Paulo Freire que diz: o educador deve reconhecer e apreender a realidade dos educandos, assumir suas limitações, e buscar meios de superá-las; a prática educativa não deve ser ingênua e fundamentada apenas em intuição, mas em uma curiosidade epistemológica que impulsiona para a compreensão dos fatos.

Portanto, a nossa meta é articular os espaços de formação para o educador para que ele, a partir da compreensão dos fatos relacionados ao uso de drogas, possa ser um agente de transformação da sua realidade local integrando-se à comunidade e às diversas instituições envolvidas na intersetorialidade necessária à garantia dos direitos dos jovens em seus projetos de vida.

FONTE: BOLETIM DA ABEAD - Jornalista Carolina Fagnani – Porto Alegre –RS
(15/10/2010)

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