quarta-feira, 23 de março de 2011

A PSICÓLOGA ANDRÉA DIAS AFIRMA, EM JOÃO PESSOA, QUE AS MULHERES ESTÃO NA MIRA DOS TRAFICANTES DE CRACK

Andréa Dias doutora em crack pela UNIFESP



Por Crisvalter Medeiros*

A psicóloga Andréa Costa Dias, uma das mais recentes doutoras na área de crack pela Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, esteve recentemente, em João Pessoa, participando do planejamento dos cursos que serão ministrados pelo Centro Regional de Referência para Formação Permanente de Profissionais (CRR-IFPB).   Andréa Dias é pesquisadora das relações de consumo e das práticas discursivas em torno do crack, com atuação clínica em saúde mental e diversidade sexual.

Em entrevista, a psicóloga revelou que as mulheres são o mais novo alvo dos traficantes de crack porque não fazem dívidas de drogas.

O planejamento aconteceu na sala de reuniões do Hotel Village, na Av. Epitácio Pessoa, no Cabo Branco, no último final de semana (18/19). Na ocasião, a psicóloga falou sobre o problema do crack e a importância dos CRRs para tentar reverter o quadro de uso da droga que vem se agravando progressivamente em todo o país.


A ENTREVISTA

P. Andréa, existe, atualmente, uma grande preocupação da sociedade com o uso de crack. Qual é a dimensão real do problema? 

R. O problema do crack é realmente preocupante, ele entrou no território brasileiro no final dos anos oitenta e início da década de noventa pela cidade de São Paulo. No início dos anos 2000, começou a se espalhar por outras capitais e, atualmente, está em várias cidades do interior do país. É uma droga bastante democrática que se expandiu rapidamente.

P. Quais os índices de uso de crack no Brasil?

R. Ainda não temos uma caracterização detalhada da prevalência do uso de crack nas diferentes regiões do Brasil. Os dados existentes são do CEBRID, mas estão desatualizados. A Senad – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas está para apresentar o resultado de uma nova pesquisa que vai esclarecer melhor a questão. De qualquer modo, o Ministério da Saúde estima que haja por volta de 600 mil usuários de crack no país.

P. Por que a preferência dos jovens por essa droga?

O crack é atrativo pelo fato de ser conhecido como uma droga muito potente, o que leva os jovens a usá-la pela curiosidade sobre o efeito que a droga pode causar. 

P. O crack é conhecido como a droga que causa dependência apenas com a experimentação. Isto é verdade ou um mito?

R. Este é um ponto importante a ser abordado, porque o crack é uma droga que não comporta um único padrão de consumo, é uma substância que pode acarretar padrões bastante diversificados. Não há indicadores que confirmem que o crack produza dependência apenas com a experimentação. O que ocorre é que esta droga tem um potencial de ocasionar dependência em um menor espaço de tempo, o que não significa que todos que usem a substância venham a se tornar dependentes.

P. Qual é a consequência do uso de crack para o organismo de uma forma em geral?

R. O crack pode acarretar uma série de efeitos adversos e complicações clínicas, a exemplo de transtornos mentais, problemas neurológicos, gástricos, pulmonares, cardíacos, problemas infeciosos; enfim, é uma substância que pode trazer consequências bastante negativas para o usuário.

P. Quando a família descobre que um adolescente está fazendo uso de crack, qual é a providência mais adequada?

R. O crack é uma droga bastante sedutora entre adolescentes e adultos jovens. O perfil médio do usuário brasileiro é de adultos jovens. Quando a família, por acaso, descobre que há um filho usuário de crack, a maneira mais adequada de se comportar é não entrar em desespero, com atitudes punitivas e precipitadas mas procurar contar com a ajuda de um profissional especializado que auxilie a entender melhor a situação e buscar meios de lidar com a problemática.

P. Essa ajuda só existe no campo profissional, ou pode vir de setores alternativas?

R. Essa ajuda pode vir do campo formal através dos equipamentos especializados de atendimento que também comportam orientação para familiares. Há a vertente dos grupos de mútua ajuda para usuários e familiares. É importante que os interessados procurem se informar através da literatura especializada, livros, a mídia de forma geral e a internet. Existem muitas possiblidades de informação sobre esse problema, no entanto, mais importante que a informação é que as famílias estejam amparadas e tenham sempre uma referência a partir dos recursos existentes na sua região.

P. Há uma questão de gênero no uso de crack?

R. Até recentemente, o crack era preferência masculina, já a partir do ano 2000 esse perfil começou a mudar com a presença das mulheres no circuito de consumo. Como elas são boas pagadoras, ou seja, não fazem dívidas de drogas, acabam sendo um forte atrativo para os traficantes que também estão investindo nesse segmento.

P. O narcotráfico agrava a questão da violência, como esse problema deve ser trabalhado socialmente?

R, Uma parcela significativa dos índices de mortalidade pelo uso de crack está relacionada com o contexto de violência. O consumo de crack tende a aumentar a vulnerabilidade do usuário em vista deste entorno violento que comporta embates com polícia e com traficantes, dívidas de drogas. Nesse sentido, o próprio usuário precisa aprender a se adaptar à cultura do crack protegendo-se destas situações; o que de fato tem sido verificado ao longo dos anos "aumentando a sua sobrevida".

P. Qual a importância dos Centros Regionais de Formação Permanente para o crack e outras drogas criados, recentemente, pelo Governo Federal?

R. A criação dos Centros é uma iniciativa bastante relevante e muito bem vinda. O consumo de crack no Brasil é fenômeno presente na agenda política nacional em função de ter se tornado um problema de Saúde Pública. Não dispomos ainda de muitas publicações nacionais sobre o tema. Mas, independente disso é extremamente importante que os profissionais que direta ou indiretamente convivem com esta demanda reconheçam e compreendam a problemática, troquem experiências e saberes, no sentido da construção de uma rede de intervenção coletiva e cada vez mais integrada. Os centros também são importantes para que se conheça melhor as concepções desses profissionais sobre o problema do crack, como essas concepções se traduzem em práticas, qual a qualidade destas práticas, e o que necessita ser repensado; enfrentando o problema da melhor maneira possível.

Para finalizar, é importante ressaltar que apesar do consumo de crack ser uma questão complexa, há a possiblidade de recuperação, geralmente a longo prazo. Ou seja, em muitos casos pode ser mais difícil a diminuição ou interrupção do uso tão imediatamente, o que não nos autoriza a pensar que esta é uma trajetória perdida. É preciso ter em mente que o processo de abstinência e recuperação requer bastante tempo e investimento dos profissionais que atendem esses usuários. Por mais grave que seja o quadro, haverá um modo de acolher e encaminhar a situação, em direção a um processo de mudança e autonomia em relação ao crack.

*Jornalista especialista em prevenção ao uso de drogas

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