domingo, 28 de novembro de 2010

GUERRA ÀS DROGAS NO RIO DE JANEIRO: UM ESPETÁCULO EM GRANDE ESTILO PARA UMA POLÍTICA DUVIDOSA


Complexo do Alemâo - Fonte - Estadão: (Wilton_Junior)


Por Crisvalter Medeiros*

Após oito dias de combate nos morros do Rio de Janeiro, o comando das forças de repressão ao narcotráfico fez uma avaliação positiva destas ações. Do ponto de vista jurídico legal, o evento significa a retomada de áreas que  estavam marginalizadas sob o comando de facções criminosas pelas forças policiais do Estado Brasileiro. Sem dúvida uma ação em defesa da cidadania.

Por outro lado, analisando a questão do ponto de vista específico da política de guerra às drogas, algumas questões que são maquiadas pelas abordagens da mídia precisam ser esclarecidas. Em um programa de entrevista da Globo News, no último domingo, o Juiz Walter Maierovitch, ex secretariao nacional antidrogas, fez inserções bastante reveladoras sobre o problema do tráfico internacional de drogas. O juiz lembrou que o narcotráfico é uma grande rede internacional e que o Rio de Janeiro é apenas um “nó” dessa imensa teia.

O jornal Folha de S. Paulo informou, em matéria de primeira página, que na cidade do Rio de Janeiro o tráfico de drogas “empregaria” 16 mil pessoas e estas venderiam 100 toneladas de drogas por ano. Os números demonstram a dimensão econômica deste mercado que, apesar de ser ilícito, é regido pelas mesmas regras mercadológicas, ou seja, a oferta e a procura.

Para além das questões imediatistas do combate ao narcotráfico com cenas espetaculares de combate, num filme de mocinho e bandido protagonizado pelas forças repressivas do Estado e os marginais do tráfico de drogas dos morros cariocas, há motivo suficiente para uma boa discussão sociológica.

Ao recorrermos aos aspectos críticos do discurso midiático, a guerra às drogas no Rio de Janeiro assume uma percepção eivada de uma certa hipocrisia. Vejamos:

As drogas comercializadas nos morros do Rio de Janeiro são, na sua maioria, semi-sintéticas, maconha e cocaína. A maconha  não requer um tratamento  muito  especial para ser comercializada; já a cocaína necessita de uma certa sofisticação técnica na sua preparação. Essas substâncias, em hipótese alguma, poderiam ser produzidas no local onde são vendidas. Portanto, os traficantes do Rio são meros distribuidores de uma rede complexa que  não se sabe onde começa nem tão pouco onde termina.
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Do ponto de vista cultural, a cocaína é apenas uma planta produzida pela lavra de agricultores de países latinoamericanos. Na sua forma natural a folha da coca produz  um chá tão inofensiso quanto o nosso café. Já a maconha  comercializada no Brasil não tem uso cultural, sendo uma substância  alucinógena, e apesar de causar dependência é considerada droga leve.

A entrevista do Juiz Walter Maierovitch torna-se contextualizada quando  ele explica que a coca se torna perniciosa quando associada a produtos químicos para produzir o cloridrado de cocaína, produto que requer algum tipo de habilidade científica no seu preparo.

Vale salientar que os produtos químicos utilizados no processo de refino da  cacaína são  insumos totalmente legais vendidos no mercado pela indústria química sem nenhum tipo de restrição ou fiscalização.

A partir deste ponto não precisa ser nunhum especialista para entender que o esforço que está sendo feito no Rio de Janeiro é uma ação imediatista e que não vai resolver o problema definitivamente. A cocaína vai continuar a ser produzida, porque os insumos não estão sendo controlados, e demandada pelos consumidores que vão valorizar ainda mais o produto, devido a sua escassez.

A guerra resultará apenas na reconfiguração do mapa da comercialização. Portanto, todo o país deverá estar em alerta, já que a distribuição destes produtos tóxicos, que antes estava localizada em um ponto determinado, agora tem a tendência de se espalhar por outras áreas menos vigiadas.

Há outra questão bastante polêmica envolvendo a complicadíssima política de guerra às drogas. Tratá-se da circulação de imensas quantias de dinheiro, através do mercado financeiro, oriundo de atividades ilícitas e do tráfico de armas de fogo, que são duas vertentes que dão sustentação ao narcotráfico e que  ainda estão sem controle estatal.

Estas lacunas abrem a possibilidade para algumas sugestões: Espera-se que o Programa Nacional de Combate ao Crack (cocaína em forma bruta) tenha desdobramentos para evitar, por exemplo, que regiões mais fragilizadas do ponto de vista de aparatos de segurança pública, como o Nordeste brasileiro, tornem-se alvos futuros dos narcotraficantes como base de distribuição destes produtos.

Vale salientar, também, que dentro do programa de combate ao crack, há uma vertente de grande importância que não vem recebendo a devida cobertura da mídia, porque não gera imagens sensacionalistas, que são as ações preventivas. O governo está disponibilizando recursos para a pesquisa e a extensão, através do CNPq e da SENAD, para projetos de intervenção alternativos à política de guerra às drogas. Estas sim, são ações que precisam ser reforçadas e valorizadas em todos os seus aspectos pela população Só com esta complementação é que uma política de guerra às drogas poderá ter algum resultado positivo.

*Especialista em prevenção ao uso de drogas.

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