segunda-feira, 30 de maio de 2011

Médico paulista propõe mutirão para enfrentar o uso de drogas no País

Danilel Cruz compôe a equipe docente do CRR-IFPB

O médico psiquiatra, Daniel Cruz Cordeiro, Coordenador de uma Enfermaria para Dependentes Químicos, no Hospital Lacan, em São Bernardo do Campo, no interior de São Paulo, com 70 pacientes (40 homens e 30 mulheres), e integrante da equipe médica da Santa Casa de Misericórdia na Capital paulista, afirma que há uma epidemia de uso de crack no País e que a discordância entre autoridades e cientistas sobre esse problema é um fator meramente politico.

Daniel Cruz esteve em João Pessoa, no último final de semana (26/27), para ministrar aulas sobre saúde mental e uso de drogas nos cursos do CRR-IFPB – Centro Regional de Referência para Formação Permanente de Profissionais da Rede de Atenção a Usuários de Crack e outras Drogas. O projeto financiado pela SENAD-Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça, faz parte das estratégias de formação do Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas.
O médico, que é uma liderança nacional na área de tratamento da dependência química, com mestrado na Inglaterra nessa área, concedeu entrevista ao jornalista do CRR-IFPB, Crisvalter Medeiros.

A maior preocupação com o crack é que ele está criando no Brasil uma cultura “junkie” que não existia antes”, Daniel Cruz Cordeiro.
A ENTREVISTA

Crisvalter: Professor Daniel, existe, atualmente, uma polêmica sobre o uso de crack no País: as autoridades negam e os pesquisadores afirmam que há uma epidemia. Qual a sua opinião?

Daniel Cruz: Em minha opinião, o principal fator para essa discordância ocorre no âmbito político. Não precisa trabalhar na área da saúde, qualquer pessoa leiga percebe o quanto aumentou o uso de crack e outras drogas semelhantes pela população como um todo. Mesmo nos menores municípios brasileiros há muita preocupação com o uso do crack. Recentemente, eu estive no interior de Minas Gerais, numa cidade bem pequena chamada Piuí. No dia em que cheguei a manchete do jornal local informava que a polícia tinha flagrado um menino de 15 anos com 150 pedras de crack para vender. Há epidemia sim, e ela é preocupante.

Crisvalter: Neste caso o que é mais urgente fazer?

Daniel Cruz: O maior problema, nesse sentido, é que a área política não está se entendendo com a área científica. Acho que não tem mais desgraça para ser anunciada nas manchetes de TV, agora é hora de mostrar os número da saúde pública, pois já perdemos o fio da meada e temos que correr atrás do prejuízo. Durante muito tempo se empurrou o problema daqui e dali; agora já não podemos mais perder tempo. Vale esclarecer que o crack começou a aparecer mais nas cenas da televisão quando a classe média começou a ser invadida pelo seu uso. Enquanto a substância era usada apenas por mendigos e moradores de rua, menores abandonados, etc, a coisa não chamava a atenção, não virava capa de revista; mas quando o usuário passou a ser uma figura do porte do ator global Fábio Assunção, quando o filho do médico, as pessoas que tem dinheiro começaram a usar, então o problema teve uma maior visibilidade.

Crisvalter: A classe média dá preferência ao crack?

Daniel Cruz: Não é que ela prefira, é que o crack, por ser uma droga muita barata, era mais usada pelas pessoas que não tinham dinheiro. Quem experimenta o crack, atualmente, também o faz com a cocaína ou outra droga, a questão é a alta potencialidade de causar dependência que o crack apresenta. Recentemente, recebi uma médica na enfermaria e ela me disse: “Doutor, não somos nós que escolhemos a droga, mas é ela que nos escolhe”.  Essa médica revelou que estava em uma festa e experimentou um cigarro mesclado (maconha e crack) e descobriu naquela noite que o barato do mesclado era bom e foi levada pela curiosidade a experimentar o crack separadamente. Agora ela é uma médica dependente de crack.

Crisvalter: Até os médicos estão usando crack?

Daniel Cruz: O crack não discrimina ninguém, ela é uma droga bastante democrática. A classe econômica e o status intelectual não impediram que ela (a médica) se tornasse uma dependente dessa droga.

Crisvalter: Daniel, qual é o principal risco para o usuário de crack?

Daniel Cruz: A maior preocupação com o crack é que ele está criando no Brasil uma cultura “Junkie” que não existia antes. A diferença é que o crack trouxe essa realidade de quem rouba, de quem se prostitui e de quem mata, de quem estupra, de quem usa de uma forma dizimante. Nós constatamos que em pouquíssimo tempo, as pessoas saem de uma situação de estabilidade financeira, equilíbrio emocional, constituição familiar, competência profissional, para uma realidade de fundo de poço, onde literalmente elas afundam. Essa realidade existe nos países da América do Norte e da Europa com os usuários de heroína. No Brasil não tínhamos nada parecido, o crack trouxe essa nova realidade, na qual em pouco tempo, as pessoas perdem emprego, família, etc, onde as pessoas perdem totalmente a noção das coisas para se dedicar exclusivamente ao uso da droga. Essa é uma cultura Junkie que está sendo produzida no nosso país. Esse é o maior risco que eu vejo.

Crisvalter: Por outro lado, também existe aquele usuário de crack que estuda e trabalha, consegue ter uma vida social, conforme uma pesquisa sobre o perfil de usuários de crack no Brasil, como você analisa esse usuário?

Daniel Cruz: Essa também é uma situação real. Tem o mito de que quem usa até três pedras de crack vai morar debaixo da ponte. Aparentemente, as pessoas que usam o crack de forma controlada teriam uma menor predisposição para a dependência química. Esse contingente é bem menor do que nós da saúde gostaríamos que fosse. Mas usar crack durante um certo tempo de forma controlada, não significa que esse usuário, no futuro, não vá se tornar também um dependente, ou um junkie. Realmente, tem gente que usa duas ou três pedras de crack numa rodada durante a noite e no outro dia vai trabalhar tranquilamente. O que nós não podemos prevê é quanto tempo esse equilíbrio vai durar.

Crisvalter: Diante desse quadro complexo, o que fazer efetivamente?

Daniel Cruz: É a questão de perguntar de quem é a responsabilidade? Nem só a saúde, nem só a política vai resolver isso. Precisamos, e é urgente, fazer um mutirão da dependência química no Brasil envolvendo todas as áreas. Esse mutirão deve se iniciar na base com a prevenção e orientação na escola fundamental e se expandir para os altos escalões da política pública do nosso país; as soluções que vemos são uma intervenção, uma internação em uma clínica ou comunidade terapêutica, mas isso já é o fim da carreira, a atenção deve começar bem antes.

Crisvalter: Nessas intervenções você inclui equipamentos comunitários como o AA, Ala-Non, NA, Amor Exigente?

Daniel Cruz: Exatamente. Por muito tempo a ciência e os grupos de mútua ajuda andaram separados, mas nós entendemos que não dá para separar mais essas coisas. Nossas chances de ser efetivos incluindo esses grupos aumentam bastante. Precisamos associar a medicina, a psicologia, o trabalho teórico, com a questão da mudança de  comportamento que pode ser alcançada com a participação em um grupo de mútua ajuda.

Crisvalter: Se você tivesse o poder de decidir sobre políticas públicas no Brasil, para essa área, por onde você começaria?

Daniel Cruz: Temos que levar esse problema para as escolas, atualmente, eu até sugeriria uma disciplina para que as crianças possam saber mais, até porque hoje elas estão bem informadas sobre todos esses problemas sociais, e com pouco trabalho elas conseguem entender perfeitamente as consequências do problema das drogas. Eu arriscaria dizer que no Brasil estamos caminhando rápido, mas dando passos para trás, igual àquela dança do Michael Jackson. As pessoas não procuram as drogas simplesmente pelo prazer do uso, isto é um equívoco. Associado a esse problema temos as questões sociais do desemprego e da falta de oportunidades para os jovens. O tráfico de drogas está se tornando, cada vez mais, uma alternativa ocupacional devido a falta de oportunidades, capacitação para mercado de trabalho, políticas de promoção e inclusão social de uma maneira geral. Basta pensar o seguinte: numa favela brasileira qual é a grande chance de emprego, quem é que tem dinheiro, poder... São os traficantes. Precisamos criar outros modelos para essa juventude, senão continuaremos perdendo-a para as drogas.

Crisvalter: Daniel, vamos encerrar, falando sobre essa nova drogas que está surgindo no Brasil, o OXI. Qual sua visão sobre mais esse problema?

Daniel Cruz: Um quilograma (1Kg) de pasta base de cocaína pode produzir um lucro de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais); o mesmo 1kg de pasta base de Oxi, vai produzir um lucro de R$ 120.000,00, ou seja, o narcotráfico ganha mais com o Oxi. Há também a possibilidade de prazer mais rápido, mas também diminui o período de uso para alguém se tornar dependente. Por ser mais barato que o crack, essa nova droga tem possibilidade de causar um impacto duplamente maior na sociedade, a realidade é essa. Se você pensa que a situação está ruim, ela pode piorar ainda mais com a disseminação do uso de Oxi, numa mesma proporção do uso de crack no Brasil.

Crisvalter Medeiros

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