"Nunca deixe de pensar que alguém pode brilhar", Raquel Barros.
A metodologia de reinserção social que está sendo gestada na Associação Lua Nova, em Sorocaba, interior de São Paulo, promove a inclusão social de mulheres vítimas de abuso e exploração sexual, mães moradoras de rua e usuárias de drogas, inclusive de crack. O projeto surpreende pela inovação e eficiência. A metodologia deveria ser multiplicada em todos os Estados brasileiros como política pública de enfrentamento ao uso/abuso de drogas e outras vulnerabilidades sociais.
A psicóloga Raquel Barros, responsável pela metodologia da Lua Nova, desenvolveu um exemplo bem-sucedido de empreendedorismo social para enfrentar os problemas de exclusão social gerados por abuso e exploração sexual, violência doméstica e uso de drogas. Essa metodologia, se inserida nos currículos das instituições de ensino profissionalizante, seria uma boa resposta da educação pública para promover a inclusão social dos jovens marginalizados do processo social, principalmente aqueles que estão sendo dizimados pela guerra do tráfico de drogas.
Numa linguagem metafórica, pode-se dizer que Raquel Barros tira leite das pedras, já que vai buscar recursos onde aparentemente não existem para resolver problemas que as ações institucionais não conseguem solucionar.
Com competência, criatividade e espontaneidade, Raquel Barros vem conseguindo ocupar um vazio que existe no nosso País entre as ações institucionais e as demandas sociais na área de drogas, violência, pobreza, exploração sexual e vários tipos exclusão social. Ela consegue transitar entre os meandros das vaidades acadêmicas, os interesses corporativos e político-partidários dos gestores públicos e o rigor financeiro dos investidores do setor empresarial.
Recentemente, na condição de Coordenador Adjunto do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Dependência Química (NETDEQ), órgão ligado à Pró-Reitoria de Extensão do IFPB, tive a oportunidade de visitar a Associação Lua Nova, em Sorocaba-SP, compondo uma comitiva formada por representantes de organismos internacionais, a exemplo do CICAD- Comissão Interamericana para Controle do Abuso de Drogas; Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), da Organização Mundial de Saúde; e representantes de projetos e de órgãos públicos do Peru, Argentina, Guatemala, Costa Rita e México, além de professores universitários e lideranças comunitárias brasileiras.
Detentora de uma visão de vanguarda na área do empreendedorismo social, Raquel Barros criou o Instituto Empodera visando a disseminação da metodologia da Lua Nova através do País. O trabalho de Raquel Barros não precisa de publicidade porque ela já consolidou as suas práticas, mas precisa de mais visibilidade para ser transformado em política pública de abrangência nacional. Raquel foi a terceira colocada no prêmio Empreendedor Social, da empresa Folha, em parceria com a Fundação Schwab, em 2008.
AMBIENTE PRODUTIVO
Começamos a visita à Lua Nova pela Creche e o Ateliê. O projeto beneficia, atualmente, 25 mães que são atendidas integralmente. O ambiente é um primor de higiene e funcionalidade, tudo transpira acolhimento, paz e produtividade. As mulheres cuidam das crianças ao mesmo tempo em que participam de oficinas, fazem cursos e algumas já conseguem produzir alguns artefatos que vão ser comercializados na região, a exemplo de bolsas, marcadores de textos e brindes. Na explanação que fez para recepcionar o grupo, Raquel foi categórica: “Isto aqui não é comunidade terapêutica, é um ambiente produtivo, um lugar onde se aprende a fazer negócios”.
Raquel explicou que o início da Lua Nova foi muito difícil e conta de onde veio a inspiração para a iniciativa. Como ela não podia exercer a maternidade, decidiu cuidar das mulheres que tinham filhos e não conseguiam mantê-los. “O processo começou com uma casa onde eu abriguei cinco mães usuárias de drogas, elas não eram minhas pacientes, elas tinham os filhos que eu não conseguia ter”, lembrou Raquel.
Não queria fazer intervenção médico-psicológica, nem um atendimento psicossocial, conta Raquel Barros, acrescentando que: "Eu pensava em transformar as habilidades que aquelas mulheres tinham para o tráfico de drogas e a prostituição em condição de produzir e fazer negócios. Não queria receber ajuda filantrópica, mas fazer nossos clientes".
Como os recursos eram insuficientes, e o objetivo era a inclusão social, Raquel começou a enviar o currículo das mulheres para as empresas de alguns conhecidos, visando conseguir algum trabalho que gerasse renda para elas. Mas, segundo ela, o estigma social com usuários de drogas impedia a inserção no mercado de trabalho formal daquelas mães. “Foi quando eu tive a ideia de fazer bonecas de pano para vender; no início foi muito difícil, porque elas não tinham habilidades artísticas, mas com o passar do tempo essa barreira foi sendo superada”, contou.
Atualmente temos um ateliê de corte e costura que tem o objetivo de promover a capacitação para a produção de bolsas e brinquedos pedagógicos. Contamos, também, com a panificadora, que produz biscoitos artesanais e serviços de coffe break para eventos locais, informou.
- Nosso projeto mais arrojado, prosseguiu, é a construtora, que produz materiais e serviços utilizando matéria prima ecológica para a construção de casas para a população de baixa renda. “O sonho parecia impossível, mas com a força das pessoas que conseguem sobreviver na rua, fomos capazes de superar todas as barreiras, mesmo com pouco incentivo”, assinalou.
Segundo Raquel, os médicos não estão preparados para atender mulheres grávidas usuárias de drogas, porque tudo que eles fazem é orientá-las para não usar drogas, e só isso não resolve o problema. “Na Lua Nova, nós desenvolvemos um aprendizado produtivo; fazemos uma capacitação pedagógica para a vida através do trabalho. Não pensamos em grandes negócios, mas temos um grande conteúdo. O nosso processo de aprendizagem é um kit terapêutico de enfrentamento do abuso, da exploração sexual e do uso de drogas, da violência e da pobreza extrema”, assinala enfática.
Para Raquel Barros, promover a inclusão social não é preparar a pessoa para um determinado ambiente, escondendo a tatuagem, retirando o piercing, ou disfarçando um estilo de vida. “A inclusão na Lua Nova é um processo constante e permanente, não consideramos que a saúde seja a abstinência do uso de drogas, nem exigimos um momento preciso de ruptura, as mudanças e adaptações vão acontecendo aos poucos, nas atividades do dia-a-dia”, explicou a empreendedora social.
Na opinião de Raquel Barros, o processo de inclusão social em organizações como a Lua Nova deve contar com a contrapartida do Governo. “O principal produto da Lua Nova é a metodologia de inclusão social, e é esta metodologia que queremos vender”, esclareceu.
O projeto Lua Nova não é uma organização hierárquica fundamentada em princípios rígidos de autoridade, pelo contrário, a associação adotou um processo de aprendizagem espontâneo que pode ser considerado terapêutico. Segundo Raquel, a etapa inicial é a residência Lua Nova, que objetiva a recuperação da autoestima das residentes. A República, ou condomínio Manaiá, é um conglomerado de casas, que elas mesmas constroem, onde habitam em duplas e são acompanhas por educadores para iniciar o processo de geração de renda, explicou.
Quando já estão preparadas, as mulheres passam a integrar o processo produtivo do complexo Lua Nova, que se constitui do projeto Criando Arte, a Empreiteira Escola e a Panificadora. No entanto, o ingresso pode se dar em qualquer dessas etapas, dependendo da identificação ou algum talento apresentado pela residente.
A Associação Lua Nova também desenvolve, através de parcerias com o poder público, serviços na área de tratamento comunitário no município de Sorocaba, com atividades de centros de escuta, produção de serigrafia, teatro, web TV, além de outras produções culturais voltadas aos jovens em situação de vulnerabilidade social.
O consultório de Rua é outro dispositivo utilizado pela Lua Nova para atender às populações de rua, juntamente com o projeto Tenda, uma estrutura montada diariamente nos bairros da cidade e que funciona como centro de escuta à população.
DEPOIMENTOS:
Em uma roda de conversa algumas residentes fizeram depoimentos sobre o processo de transformação nas suas vidas, após ingressar na Lua Nova.
ANA
Ana, na faixa dos 30 anos, contou que quando foi alcançada pela Lua Nova estava em São Paulo, no bairro de Guaianases, uma área de classe média baixa e muitas invasões. Ana era moradora de rua, mãe de três filhos e usuária de crack. Abandonada pelos parentes, Ana conta feliz que encontrou outra família na Lua Nova. Ela atualmente já tem cinco filhos e adotou mais outro. A Lua Nova, segundo ela, dá condições para criá-los.
FABIANA
Fabiana, outra residente, disse, de forma reveladora, que quando chegou à Lua Nova era como um bicho: “Foi aqui que eu aprendi a conviver em sociedade”, admitiu. Eu vivia na rua, continuou Fabiana, e era usuária de drogas. A Lua Nova me resgatou, me ensinou uma profissão e a cuidar da minha saúde. Atualmente eu já tenho minha casa, constituí outra família, e estou multiplicando o processo de inclusão da Lua Nova com outras pessoas, explicou ela. Fabiana já está em uma fase de total inclusão social.
JOANA
Joana é uma mulher ainda jovem, na faixa dos 25 anos. Ela conta que sempre conviveu com o problema das drogas porque o pai era alcoólatra. Joana saiu de casa muito cedo e começou a beber, usar maconha e depois o crack. Mesmo com toda a falta de estrutura, ela casou, mas a união não deu certo, e o marido abandonou-a ficando com os filhos. Quando ficou só, Joana começou a se prostituir para poder adquirir a droga. Depois de muito sofrimento, Joana encontrou a Lua Nova e começou a resolver os seus problemas.
- Aqui a gente tem de tudo, não falta nada, explica Joana. Passei muito tempo sem querer ver meus filhos, porque tinha vergonha de que eles me vissem como eu era; mas agora já estou preparada para reencontrá-los.
Assim transcorre a vida cotidianamente na comunidade Lua Nova, onde Raquel Barros e suas meninas dão esperança a quem já não tinha razão para viver.
Por Crisvalter Medeiros
Veja vídeo de fotos sobre a visita à Lua Nova
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