segunda-feira, 30 de setembro de 2013

De palhaço, médico combate o crack

Médico se aproxima dos usuários (Felipe Rau -Estadão)


Psiquiatra usa fantasia para se aproximar dos usuários e convencê-los a buscar tratamento

O sol começava a sair de trás das nuvens, por volta das 10h de anteontem, quando o psiquiatra Flavio Falcone, de 33 anos, formado pela Universidade de São Paulo (USP), abriu a porta do banheiro da Unidade De Braços Abertos, na Rua Helvetia, no coração da Cracolândia, centro de São Paulo. Com um nariz de bola vermelha e o rosto maquiado, usando uma cartola branca, terno de tecido grosso e uma gravata feita com gaze, ele já havia incorporado o palhaço Fanfarrone.

Pela décima vez nos últimos dois meses, Falcone repetia o ritual das últimas sextas-feiras. Fantasiado, aborda os usuários de crack nas ruas lotadas da Cracolândia para ganhar a confiança deles e convencê-los a iniciar um tratamento que possa livrá-los de uma das drogas mais consumidas no País. Um em cada três (35%) consumidores de drogas ilícitas nas capitais do País usa crack, conforme pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz, divulgada na quinta-feira.

As vestimentas do médico são inspiradas em Zé Pelintra, entidade da umbanda que, segundo uma versão sobre sua morte, bebia demais e foi atropelado depois de adormecer na linha de trem. "O palhaço ajuda a estabelecer uma relação horizontal, de igual para igual, com o povo daqui. De médico, imediatamente se cria uma hierarquia que eu prefiro desconstruir", diz. Depois dos primeiros passeios, um pandeiro também passou a fazer parte dos acessórios da peregrinação. Quando os usuários viam o palhaço, muitos o rodeavam e começavam a cantar com ele.

Logo nos primeiros passos, Fanfarrone é abordado por uma mulher de cerca de 30 anos, magra, cabelos castanhos, envelhecida pela droga, que vem conversar sobre astrologia. Ela pergunta o signo do palhaço, que responde ser de escorpião. A moça conta a história do marido do mesmo signo, que consome crack com ela. "Eu fumo para ficar na brisa, para ouvir música, para fazer amor. Ele fuma e fica violento, fala bobagens, me bate. Quando escorpião dá para ser ruim, sai de baixo", diz a moça.

Uma liderança da cena local começa a acompanhar Fanfarrone, depois de comunicada de que haveria fotos e que o repórter iria junto. Pardal, de 50 anos, foi com um chapéu verde-amarelo, segurando um acessório de penas coloridas. Usa óculos sem lentes para "passar uma imagem de respeito", que ele tira durante os bate-bocas com outros frequentadores.

Pardal estava agitado na manhã de sexta, sob o efeito da pedra. Contou que a Escola de Samba Tom Maior havia sido criada em sua casa, na zona sul, e depois se emocionou ao falar do filho que foi preso aos 15 anos e só agora havia saído da prisão. Assumiu com o palhaço o compromisso de participar de um grupo de música para o bairro, projeto ainda a ser apresentado ao poder público.

Fanfarrone segue pela Helvetia em direção à Rua Dino Bueno, onde fica "o fluxo", termo usado para definir o movimento de venda e consumo intenso da pedra. Ganha um boneco de pelúcia de presente de uma moça, que pede que ele guarde o bichinho com cuidado. Metros adiante, Fanfarrone perde o boneco, levado de seu bolso por um homem.

A rua está agitada às 10h30. Barraquinhas de roupas velhas ficam na calçada, num comércio de objetos sem valor para fazer dinheiro para manter o consumo da pedra. Em outro, são vendidos carrinhos de plástico quebrados e muitos restos de equipamentos eletrônicos. Um jovem branco, de cabelos claros e compridos, tenta vender uma bela jaqueta preta, no meio do fluxo, para obter recursos e comprar mais pedra.

Fanfarrone segue decidido, passando em meio à multidão efervescente. Para a reportagem, ele diz que a escolha do palhaço não foi gratuita. "O palhaço, na verdade, deu sentido para minha vida. Aqui, eu também busco a minha cura", conta. Criado em Piracicaba, no interior de São Paulo, ele sempre foi uma criança tímida. Seus pais eram donos de uma escola de balé. Desde os 4 anos, ele assistia, discretamente, a quase todas as aulas. Depois, repetia as coreografias escondido.

Sonho. Aos 14 anos, sonhou que estava tratando de dependentes químicos. Foi quando decidiu ser psiquiatra. Sempre teve facilidade com os estudos e ingressou na USP. Junto com a Medicina, passou a fazer aulas de palhaço e conseguiu se livrar da depressão que o perseguia. "O palhaço lida com as sombras. Ele revela o lado ridículo de situações que, às vezes, levamos muito a sério. Eu sempre fui uma pessoa tímida. Passei a rir de mim mesmo, o que foi mais eficiente do que qualquer terapia. Parece que, hoje, renasci e vivo em outra encarnação", diz.

A sombra dos frequentadores da Cracolândia, para o palhaço, é o potencial muitas vezes desperdiçado daquelas pessoas. Fanfarrone continua andando no meio da confusão, com gente de olhos arregalados por todos os lados, cachimbos de aço sendo acesos, discussões e dedos em riste, quando, de repente, um cego de roupa social aparece, tentando passar no meio do fluxo com a ajuda da bengala. Tudo pode parecer muito triste, mas Fanfarrone acredita no poder terapêutico de transformar em riso a miséria humana.

Nos primeiros dois meses de atividade, ele calcula ter conseguido "construir vínculos" com 30 pessoas. Um deles era HIV positivo. Depois de saber que tinha a doença, decidiu "morrer na Cracolândia". Fanfarrone disse que hoje pessoas com aids podem sobreviver por anos, desde que medicadas. Ao saber disso, o jovem começou a se tratar. Mas permanece na Cracolândia.

Fanfarrone evita arriscar um palpite sobre quanto tempo a região ainda vai conviver com a cidade. Mas arrisca uma definição sobre o local: "a Cracolândia é a sombra da cidade de São Paulo".


 O Estado de São Paulo -  BRUNO PAES MANSO

O BRASIL TEM 370 MIL USUÁRIOS DE CRACK


A Fio Cruz divulgou, recentemente, o resultado da primeira pesquisa sobre usuários de crack e outras formas similares da cocaína (pasta base, merla e “oxi”), desenvolvida pela instituição. A pesquisa realizada nas 26 Capitais brasileiras e no Distrito Federal foi coordenada pelos pesquisadores Francisco Inácio Bastos e Neilane Bertoni. 


O resultado do inquérito domiciliar demonstrou que existem cerca de 370 mil usuários de crack e similares derivados da cocaína no País. A pesquisa apontou, ainda, que nos municípios pesquisados a estimativa para o número de usuários de drogas ilícitas em geral (com exceção da maconha) é de 2,28%, ou seja, aproximadamente 1 milhão de usuários. Desta forma, os usuários de crack e/ou similares correspondem a 35% dos consumidores de drogas ilícitas nas capitais. A pesquisa faz parte das iniciativas do Plano de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, sendo idealizado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD).


O estudo sobre a estimativa do número de usuários de crack e/ou similares nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal foi realizado por meio de inquérito domiciliar de natureza indireta, ou seja, que não teve como foco primário a entrevista com usuários de drogas (método NSUM - Network Scale-up Method).

NORDESTE

No Nordeste foram identificadas 150 mil pessoas que fazem uso regular do crack. Conforme dados da pesquisa, as capitais da região Nordeste, ainda que estatisticamente apresentem proporções similares de uso frente às capitais da região Sul, foram as que apresentaram o maior quantitativo de usuários de crack e/ou similares.


A pesquisa também levantou informações sobre o uso da substância por menores de idade. Dentre os 370 mil usuários de crack e/ou similares estimados tem-se que cerca de 14% estão nesse segmento da população, representando aproximadamente, 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso dessa substância nas capitais do país


Essas proporções de usuários menores de idade variam conforme a região do país. As capitais da região Nordeste são as que somam um maior quantitativo de crianças e adolescentes consumidoras de crack e/ou similares, correspondendo a cerca de 28 mil indivíduos. Enquanto que, nas capitais das regiões Sul e Norte, esse número é de cerca de 3 mil menores de idade, em cada uma dessas regiões.


Esta etapa da pesquisa foi realizada em 2012, com aproximadamente 25.000 pessoas, residentes nas capitais do país. Essas pessoas foram visitadas em seus domicílios e responderam a questões sobre suas redes sociais (de uma forma geral e com um foco em usuários de crack e outras drogas).

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

EQUIPE DO CRR-IFPB PARTICIPA DE CURSO NA FAVELA DA MARÉ, NO RIO DE JANEIRO


A coordenadora do Centro Regional de Referência (CRR-IFPB), professora Vania Medeiros, está participando de um curso sobre Tratamento Comunitário, na área de intervenção social em comunidades de alto risco em uso de drogas, na Favela da Maré, no Rio de Janeiro.

O tratamento comunitário é uma metodologia de intervenção em comunidades de alto risco social que vem sendo implantada em países da América Latina, sob a supervisão do seu criado, professor Efrem Milanese. Ele é consultor da Caritas Internacional e fez doutorado na Universidade de Paris.


Essa nova modalidade de intervenção na área de drogas foi adotada de forma experimental no CRR do IFPB, em João Pessoa. A metodologia já vem sendo desenvolvida na Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Chile, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraquay, Peru e Uruguai, cujos ativistas também estão participando da formação no Rio de Janeiro.



O curso está sendo ministrado em um equipamento comunitário da Prefeitura do Rio de Janeiro, instalado na Favela da Maré, com a participação da Ong – Rede Maré. Participam da formação, além da equipe do CRR da Paraíba, ativistas na área de drogas de vários países latino americanos.


A formação capacita os ativistas a fazerem contatos com comunidades de alto risco social e realizar o diagnóstico dos problemas, principalmente sobre a questão do uso de drogas. Segundo a professora Vania Medeiros, o mesmo curso será ministrado no IFPB, em João Pessoa, para a equipe ampliada do CRR e gestores de órgãos públicos, na próxima segunda e terça-feira (23/24). O curso será ministrado pelo professor Efrem Milanese.

A professora Vania informou, ainda, que a Favela da Maré é um complexo habitacional que conta com 140 mil pessoas. Segundo ela, é uma comunidade de trabalhadores, mas que ainda sofre a influência do narcotráfico instalado na região. A professora acrescentou que todos os dias, praticamente, há enfrentamento entre a polícia e os traficantes. As famílias da comunidade vivem uma dinâmica estressante, tendo que se recolher às pressas sempre que começam os enfrentamentos.


“No mais é uma comunidade de trabalhadores onde as pessoas vivem o seu dia-a-dia exercendo suas atividades profissionais e as crianças indo às escolas. A comunidade também conta com um intenso comercio local”, assinalou a professora.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Profissionais brasileiros e especialistas internacionais e nacionais debatem mudanças na política sobre drogas



Abertura do evento no Museu da República-Brasília-DF

Profissionais que atuam na área da atenção aos usuários de drogas do Ministério da Saúde e de projetos apoiados pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) tiveram a oportunidade de debater os problemas relacionados às políticas sobre drogas no Brasil, com especialistas nacionais e de outros países que adotaram políticas alternativas ao modelo de guerra à drogas e estão sendo bem sucedidos nas suas experiências.

O fórum que promoveu o debate foi o Simpósio Nacional sobre Drogas: da Coerção à Coesão, que aconteceu no período de 9 a 11, deste mês, no Museu da República, em Brasília-DF. O evento foi promovido pelo Ministério da Saúde e SENAD, com apoio de organizações internacionais, a exemplo do UNODC, OPAS, OMS,  bem como entidades não-governamentais. Os profissionais tiveram a oportunidade de conhecer as experiências de políticas sobre drogas deflagradas no Canadá, Holanda, Praga, Portugal e Uruguay.

Na abertura do Simpósio, que contou com a participação de autoridades nacionais e internacionais, o diretor da SENAD, Dr. Vítore Maximiano, disse que o evento reunia os profissionais mais seletos e especializados da área da saúde, bem como de outras relacionadas ao tema das drogas. Segundo ele, o Brasil precisava de um debate sereno para buscar saídas para o problema das drogas.

O evento foi uma ocasião para se analisar as políticas públicas em todos os níveis: prevenção, tratamento e a reinserção social. Na sua fala, na abertura do simpósio,  o ecretário acrescentou, ainda, que “devemos aprender as experiência exitosas de outros países nessa área”.

O clima no qual transcorreria o evento apareceu logo na premeira conferência, proferida pelo ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Sr. Paulo Vannuchi. A assinalou que o simpósio significava uma nova orientação de paradigma na política de drogas brasileira, seguindo uma tendência internacional que apontaria para o fim da guerra às drogas, que dizimou milhares de pessoas em todo o mundo nos últimos 40 anos.

Segundo Vannuchi, o tema da coerção à coesão suscita solidariedade com os usuários de drogas, sendo essa a tônica do caminho político que o Brasíl decidiu trilhar desde 1988, que estabeleceu, efetivamente, a democratização na área da saúde. “A guerra às drogas no Brasil terminou”, vaticinou o ilustre defensor dos direitos humanos.

Um momento bem especial do evento, que pode ser considerado como uma inovação em seminários sobre as drogas, foi colocar frente à frente os profissionais da atenção aos usuários de substâncias psicoativas e os atores da grande imprensa nacional para analisarem o relacionamento da mídia com os usuários e com a política da área. Os  dois segmentos tiveram a oportunidade de avaliar com honestidade e coerência suas limitações e competências. Espera-se que o debate tenha prosseguimento e que, no futuro, exista uma cobertura adequada dos meios de comunicação sobre a temática. Esta foi a expectativa de todos, ao final da mesa, que contou com representantes da Folha de São Paulo, Estadão, Carta Capital e Rede Tv.

Uma das mesas mais instigantes, do simpósio, foi a que possibilitou o conhecimento das políticas sobre drogas da Holanda, Canadá, Praga e Portugal. Através da experiência dos especialistas desses países, os profissionais brasileiros tiveram a oportunidade de entender que uma nova realidade vem se estabelecendo no mundo como alternativa aos modelos estigmatizantes de lidar com a realidade do uso recreacional ou problemático de substâncias psicotrópicas.

O tema do simpósio foi fundamentado no documento do UNODC, organismo das Nações Unidas para as drogas e crimes: Da coerção à coesão. O documento defende mudanças que passam de uma abordagem coertiva para outra que valorize a construção de espaços de coesão social. Essa mudança requer o enfrentamento de uma série de problemas sociais, a exemplo da violência, corrupção, desemprego, acobertura dos sistemas de saúde, educação incipiente, encarceramento crescente, dentre outros problemas.

O referido documento apresenta 10 itens como os principais fatores de risco e ameaças à coesão social: a desigualdade social, migração, transformação política e econômica, a cultura do excesso emergente, o crescimento do individualismo e o consumismo, mudança de valores tradicionais, situações de conflito bélico, rápida urbanização. E mais: a perda de respeito pela lei, e a influência de uma economia de drogas ilícitas em nível local.
Da programação do evento constou, ainda, além do tema da coerção à coesão: drogas, economia e exclusão social; inovações internacionais frente à política sobre drogas: pragmatismo e direitos;  mídia e drogas; direitos humanos, cidades e drogas.


Os integrantes da equipe do Centro Regional de Referência, em João Pessoa, Crisvalter Medeiros (IFPB); Shirlene Queiroz, Coordenadora de Saúde Mental do Governo da Paraíba; e Janaína Demery, da Coordenação Municipal de Saúde Mental; além da professora Aparecida Penso, UCB, participaram do evento.

sábado, 7 de setembro de 2013

I SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE DROGAS: DA COERÇÃO À COESÃO


O I Simpósio Internacional sobre Drogas: da Coerção à Coesão, que acontecerá de 09 a 11 de setembro de 2013, no Museu Nacional da República, em Brasília, Distrito Federal, será um momento de encontro com diversos setores da sociedade para debater as políticas públicas voltadas para a questão das drogas.

Os organizadores do evento esperam que a difusão de informações e a ampliação do debate sobre as políticas públicas na área de drogas promovam a criação de um espaço importante de troca para a produção de ações integradas que viabilizem uma maior coesão da sociedade brasileira. O coordenador adjunto do Núcleo de Estudos Trandiscipinares em Dependência Química (NETDEQ-IFPB), jornalista Crisvalter Medeiros, intregrante da equipe do Centro Regional de Referência (CRR-IFPB), participará do evento como convidado.

O evento conta com a promoção do Ministério da Saúde, por meio do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde e da Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Departamento de Articulação de Rede de Atenção à Saúde, da Secretaria de Atenção à Saúde. E mais: Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD); Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC); bem como da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em parceria com a International Drug Policy Consortium (IDPC) e o Instituto Igarapé.

De acordo com o material de apresentação do evento, em todo o mundo, os países vêm trabalhando a demanda das comunidades marginalizadas, que são vulneráveis aos problemas relacionados às drogas. Na última década, a sociedade brasileira buscou alternativas para ampliação do acesso à saúde e outras políticas sociais para os usuários de crack, álcool e outras drogas e seus familiares. Essas medidas representaram um avanço considerável no que se refere à discussão do tema na sociedade e também das normatizações e diretrizes para implementações das ações.

No simpósio serão apresentadas diversas experiências de políticas públicas que foram efetivadas em outros países (Argentina, Chile, Canadá, Holanda, Portugal, República Tcheca e Uruguai). É uma oportunidade de conhecer e envolver novos atores para dialogar sobre as estratégias para se aumentar a coesão social, como se enfrentar os fatores de risco e quais os obstáculos a serem superados nessas áreas.


Veja programação competa: