sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A PRÓXIMA VÍTIMA


A população de João Pessoa ainda está consternada com a recente tragédia no trânsito, que culminou com a morte da advogada Fátima de Lourdes Lopes Correia, chefe da Defensoria Pública da Paraíba. Foi o segundo acidente com vítimas fatais no mesmo cruzamento da Av. Epitácio Pessoa com a Rua João Domingo, no Bairro de Miramar. HÁ cerca de dois anos, no mesmo local, outro acidente automobilístico ceifou a vida de três pessoas de uma mesma família. Nestes dois casos, os danos para a sociedade são inestimáveis.


Um detalhe preocupante, nos dois acidentes, é que eles foram provocados por motoristas embriagados, já que o excesso de velocidade e a negligência com sinais de trânsito era apenas conseqüência da alcoolemia. O problema agora é saber quem será a próxima vítima no cruzamento da morte. Nenhuma providência rigorosa foi tomada para evitar dirigir embriagado na cidade. Além disso, outra questão precisa ser resolvida de imediato. De quem é a responsabilidade pelos acidentes de trânsito envolvendo motoristas alcoolizados?


O senso comum vai imputar a responsabilidade aos próprios motoristas. As pessoas vão dizer que a culpa é dos irresponsáveis, assassinos do trânsito etc; o que significa individualizar a questão. Nesse sentido, o Brasil segue o mesmo modelo dos Estados Unidos, quanto à saúde pública. A saúde é vista como uma questão relacionada ao comportamento individual. O uso de álcool, seja de forma abusiva ou dependente, é um problema de saúde pública em qualquer lugar do mundo civilizado. Não tenho o objetivo de inocentar ninguém da responsabilidade pelos seus atos inadequados, principalmente quando eles resultam em infrações graves ou conseqüências fatais para outras pessoas. Não se trata disso, o problema é tentar entender a questão do motorista alcoolizado de um ângulo mais abrangente.


O modelo individualista isenta os verdadeiros responsáveis pela saúde pública; em alguns casos, as vítimas viram culpados, como é a situação dos dependentes químicos. Há uma forte tendência à dissimulação da responsabilidade pela saúde no modelo individualista. Geralmente, a vítima vira culpado. A saúde pública é um problema social que envolve questões de ordem econômica, educacional, de comunicação, de políticas públicas, da família e, principalmente, do Estado. Isto significa dizer que é um problema complexo e para tanto é necessário abordagens mais complexas para solucioná-lo.


Por trás dos motoristas embriagados existe uma verdadeira negligência do Estado em fazer cumprir a Lei. O Brasil tem uma política pública impecável para o álcool, nada deixando a desejar aos países do primeiro mundo. No entanto, essa política não está sendo executada, nem o simples uso do bafômetro está sendo cumprido. Mas isso não acontece por acaso, é fruto de pressões de setores poderosos que conseguem interferir no processo social de forma profunda. Refiro-me ao problema da indústria do álcool na nossa sociedade, um tecido bem organizado empresarialmente, cujo principal objetivo é aumentar o consumo de bebidas alcoólicas em todos os segmentos, sem se importar se os consumidores são crianças, adolescentes ou adultos com predisposições à dependência; sem se preocupar também com os danos causados á sociedade.


No caso de acidentes de trânsito envolvendo motoristas embriagados não há culpados, apenas vítimas. Um é vítima do alcoolista que, por sua vez, é vítima da indústria do álcool e da falta de políticas públicas nessa área. Como exemplo dos prejuízos causados pela indústria do álcool, podemos citar mais de 60% dos acidentes de trânsito, 60 diferentes condições médicas provocadas por violência, acidentes; problemas escolares, problemas no ambiente de trabalho e alto índice de admissões em hospitais psiquiátricos. O uso de álcool também está presente nos problemas da violência doméstica contra mulheres, crianças e adolescentes, violência urbana, abuso sexual, prostituição, roubos etc.


Se observarmos o problema com o olhar da responsabilidade social, entenderemos, sem muito esforço, que a indústria do álcool é uma indústria do mal, que só traz prejuízos à sociedade. Portanto, essa indústria precisa urgentemente de controle social. Aliás, vale salientar que só nos países periféricos é que o álcool não está sob um forte controle de aparatos de políticas públicas.


O Brasil é, na verdade, o paraíso da indústria do álcool. Este é um dos setores da economia que nunca tem prejuízos, sua lucratividade aumenta progressivamente. Isto acontece em detrimento de muitas vidas que são ceifadas ou simplesmente prejudicadas pelos anos perdidos pelo alcoolismo. A indústria do álcool a todos engana com a apresentação dos seus produtos com uma roupagem amistosa e inofensiva. Entretanto, é a principal inimiga da sociedade. Parte dos equívocos sociais com relação ao álcool é responsabilidade da mídia. Essa indústria é um dos principais anunciantes nos meios de comunicação de massa. Precisamos dar um basta a essa situação.


Outra fatia da responsabilidade cabe às instituições públicas: às escolas que devem fazer prevenção, aos órgãos policiais que precisam fiscalizar o uso de álcool e direção, ao ministério público que deve estar atento à comercialização inadequada do álcool. Nesse contexto, todos são responsáveis. O problema também está na cultura, o álcool é visto como mediador das relações sociais, promotor da alegria e, inclusive, como afrodisíaco. Tudo isto é um grande equívoco fruto de distorções culturais reforçadas pela publicidade. Tecnicamente o álcool é uma droga com forte condição para causar dependência química e só traz sofrimento e dor às sociedades que o adotam como substância lícita.


Os mais prejudicados pela indústria do álcool são os bebedores sociais e os abusadores. Ao contrário do que se pensa, os dependentes, ou alcoólatras, não interessam mais à indústria do álcool, já deram tudo o que tinha para dar: seu emprego, sua família; seus bens de uma maneira geral e até sua dignidade. Estes representam um grande problema, já que demonstram o estrago que o álcool promove na vida das pessoas.


Será que nós vamos ficar apáticos esperando a próxima vítima fatal de algum motorista embriagado no cruzamento da morte, ou em outro cruzamento, ou qualquer esquina da nossa cidade? É hora de tratar desta questão com seriedade e isto só se faz com políticas públicas adequadas. Precisamos exigir bafômetro nas principais artérias e nos locais onde há distribuição de álcool. Precisamos orientar nossos jovens nas escolas com relação aos riscos do uso de álcool, as famílias devem estar atentas ao beber abusivo dos seus membros; enfim, toda a sociedade precisa reagir, senão a próxima vítima pode ser você.


Crisvalter Medeiros


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