Conferência de abertura
A III Jornada Regional sobre Drogas da ABEAD – Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e Ministério Público do Estado de Pernambuco, que se encerrou na última sexta-feira (10.09), às 17h30, no Auditório do Centro Cultural Rossini Alves Couto, em Recife-PE, cumpriu o papel de atualizar os conhecimentos científicos e as práticas profissionais na atenção ao uso de drogas. O evento contou com a participação de cerca de 300 profissionais do Pernambuco e outros Estados nordestinos, durante os dois dias da programação (quinta e sexta-feira)
A III Jornada da Abead/MPPE, em Recife, teve a participação de profissionais de renome nacional e internacional em políticas públicas sobre drogas, a exemplo do médico psiquiatra Carlos Salgado, preceptor da residência médica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas de Porto Alegre; Luca Santo, São Paulo/Inglaterra; professora Maria Aparecida Penso, da Universidade Católica de Brasília; Drª. Sabrina Presman, coordenadora do Programa de Controle do Tabagismo, no Rio de Janeiro, dentro outros.
Durante os dois dias do evento, os palestrantes atualizaram as informações sobre os temas de maior repercussão na área do uso, abuso e dependência de substâncias psicotrópicas, a exemplo das bases científicas para as políticas em dependência química, prevenção e tratamento do tabagismo, modelos de atenção e organização de serviços para usuários de drogas. E mais: A influência da mídia no uso de substâncias na adolescência, terapia comunitária, intervenção psicossocial com adolescentes, prevenção e tratamento do alcoolismo etc.
ENTREVISTA:
O presidente da ABEAD, médico psiquiatra Carlos Salgado (preceptor da residência médica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas de Porto Alegre), que realizou a conferência de abertura do evento, concedeu entrevista ao jornalista Crisvalter Medeiros, abordando temas de grande repercussão na área da drogadição. Segundo ele, é válida a preocupação pública com a epidemiologia do uso de crack, mas o álcool e o tabaco continuam sendo as principais drogas de experimentação, uso, abuso e dependência na sociedade.
P. Dr. CARLOS, SOBRE A EPIDEMIA DO USO DE CRACK NO PAÍS, ATÉ QUE PONTO ISTO É UMA REALIDADE, ATÉ ONDE PODE SER PÂNICO CRIADO PELA MÍDIA?
R. Falando em termos de números, a epidemiologia brasileira tem crescido muito nas últimas três décadas; atualmente dispomos de muitos números relativos ao aumento do uso de substâncias. Mas, sem dúvida, o uso de álcool e tabaco mantém os lugares de destaque nada elogiosos para o nosso país, tanto em experimentação, quanto em uso sistemático. O uso de álcool e tabaco entre homens e mulheres na nossa sociedade, especialmente, entre os jovens é brutalmente maior do que o conjunto de todas as outras substâncias chamadas ilícitas.
O fenômeno do crack é relevante por uma questão significativa. O uso da cocaína, em forma de crack, ganhou um mercado muito grande graças a um preço inicial bastante baixo e a multiplicação dos pontos de venda, falando em linguagem, elegante, para o que não é muito elegante que é o tráfico de drogas ilícitas. Nesse sentido, é relevante a preocupação social, é relevante a preocupação da imprensa em suas diversas áreas. Mas isto não deve apagar na nossa memória que tabaco e álcool seguem sendo as grandes portas de entrada para a iniciação ao uso de substâncias. Portanto, elas devem continuar sendo o foco principal de qualquer política pública nessa área.
P. SE JÁ TEMOS ESSES PROBLEMAS COM AS SUBSTÂNCIAS CHAMADAS LÍCITAS, COMO O Sr. ANALISA A ANIMOSIDADE DE ALGUNS SETORES DA SOCIEDADE COM A LIBERAÇÃO DO USO DE MAIS UMA DROGA, NO CASO, A MACONHA?
R. Acho que a gente tem conhecimento bastante para pensar o seguinte: Substâncias que mexem com a psicologia, que por alguma razão farmacológica são atraentes para um indivíduo usá-la e repetir esse uso, quanto mais disponíveis forem maior será o número de candidatos à experimentação, bem como aumentará também o número dos candidatos ao sorteio do processo da dependência. O raciocínio é simples: uma droga muito disponível tende a ser muito utilizada e o cidadão médio tenderá a recuar diante da proibição, mas é claro que sempre terá um grupo significativo que avançará para além da proibição; estes são os chamados usuários de drogas ilícitas.
Nesse sentido, não é producente, nem razoável, fazer um grande esforço para liberar mais um droga, sabendo-se que depois será necessário fazer outro grande esforço para fazer a população usuária recuar através de medidas restritivas muito duras como as que temos assistido no mundo inteiro no caso do tabaco. Os esforços para tornar a maconha uma substância com uma imagem benigna, quem sabe até com valor terapêutico, é um esforço ingênuo porque, no futuro, teremos que fazer outro esforço ainda maior para reduzir o número de usuários.
P. Dr. CARLOS, TEMOS POLÍTICAS PÚBLICAS NO PAÍS PARA AS DROGAS LÍCITAS E PARA AS ILÍCITAS. NO ENTANTO, O EFEITO DESSAS POLÍTICAS NUNCA CHEGAM AO SEU ALVO QUE É A POPULAÇÃO. COMO O SENHOR ANALISA ESSA CONTRADIÇÃO, PARECE QUE O BRASILEIRO TEM MUITA DIFICULDADE PARA SE MOBILIZAR E DEFENDER SEUS DIREITOS NESSA ÁREA?
R. Eu acredito que todos percebemos que houve um grande recuo em termos de qualidade dos serviços de saúde e de educação no nosso país, e esse fenômeno se arrasta já por três décadas. O Estado se enriqueceu, mas o sistema público de saúde e educação têm recuado. Sem dúvida que as políticas públicas na área do uso de substâncias ou na sua conseqüência que é a dependência química são muito tênues, muito frágeis. As idéias são ótimas, mas falta literalmente vontade política para financiar a execução dessas idéias que todos temos.
P. O PROBLEMA DA VIOLÊNCIA NO PAÍS ESTÁ ASSOCIADO AO PROBLEMA DAS DROGAS?
R. É muito infeliz a associação que todos nós assistimos entre o uso de álcool e de outras drogas e a violência; especialmente, os acidentes de trânsito, violência interpessoal e no sentido social mais amplo. Isto leva a comunidade a dar todo o respaldo, e também nós da ABEAD, quando o poder público toma medidas de contenção quanto ao acesso do uso do álcool no grande ambiente comunitário. Então, faz sentido associar a violência e o uso de substâncias.
P. CONSIDERANDO A COMPLEXIDADE DO USO DE DROGAS NA SOCIEDADE, QUAL A ATENÇÃO QUE A CIÊNCIA TEM DADO AO ENFRENTAMENTO AO PROBLEMA? POR EXEMPLO, AS UNIVERSIDADES TÊM PESQUISADO O USO DE DROGAS ADEQUADAMENTE?
R. Em absoluto. Acredito que a Universidade brasileira, como as Universidades do mundo inteiro nas áreas da saúde, costumam negligenciar as questões relacionadas ao uso de álcool, tabaco e outras drogas. Mas, com tudo, apesar do quadro desfavorável, temos avanços significativos em grandes centros universitários do país, achados contraditórios, como às vezes ocorre nas ciências, mas também esforços significativos para corrigir essas distorções. É um fato que a média dos profissionais de saúde que se formam nas Universidades, a exemplo de médicos, enfermeiros e psicólogos, tem conhecimentos muito pobres na área da dependência química, e isto só poderá ser corrigido com mudanças curriculares profundas.
P. NA SUA VISÃO DE CIENTISTA QUAL SERÁ O FUTURO DAS DROGAS NA SOCIEDADE? E COMO VÊ O AVANÇO DA ABEAD SE INTERIORIZANDO NO PAÍS?
R. Nós que dirigimos a ABEAD somos otimistas e acreditamos no nosso esforço de divulgação de conhecimentos de boa qualidade, com boa base científica tanto para o leigo, quanto para o profissional; é isto o que norteia os esforços da entidade. Quanto ao futuro das drogas, eu acredito, e há bases científicas dando sustentação a essa perspectiva, que nós migraremos para substâncias cada vez mais laboratoriais e cada vez menos relacionadas com a natureza. As substâncias como a cocaína, produzida diretamente da planta coca, ou a maconha, que provém da plantinha cannabis sativa, numa projeção um pouco futurista, acredito que elas ocuparão menos espaços na sociedade, abrindo as possibilidades para o avanço das substâncias químicas produzidas plenamente em pequenos laboratórios facilmente instalados dentro do meio urbano. Essas mudanças resultarão na diminuição da complexidade do tráfico no estilo atual, ampliando a oferta dessas substâncias a um mercado sempre muito ávido por elas. Mas sem esquecer que, muito provavelmente, o álcool e o tabaco permanecerão ainda por muito tempo ocupando a nossa atenção em termos de saúde.
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