terça-feira, 30 de agosto de 2011

Raquel Barros: “É preciso pensar nas drogas como um problema do cotidiano e não como uma coisa do demônio”.

Entrevista no Hotel Netuanah, na Praia do Cabo Branco, em João Pessoa-PB


Crisvalter Medeiros

A psicóloga Raquel Barros, fundadora a associação Lua Nova, instalada em Sorocaba, interior de São Paulo, defendeu, em João Pessoa, no último final de semana, uma articulação imediata entre os serviços desenvolvidos pelas Coordenações de Atenção Psicossocial (CAPS), as Comunidades Terapêuticas e as ações na área de Redução de Danos, como estratégia para diminuir em mais de 50% os problemas decorrentes do uso de drogas no País.

A psicóloga Raquel Barros, reconhecida internacionalmente pelas suas ações na área do empreendedorismo social, ministrou aulas, no final da semana passada (25/26), no Centro Regional de Formação para Profissionais que Atuam na Área das Drogas (CRR), em João Pessoa. O CRR-IFPB é financiado pela SENAD-Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas, do Ministério da Justiça.

Lua Nova

A Associação Lua Nova, dirigida pela psicóloga, é uma organização não-governamental sem fins lucrativos que nasceu com a missão de fortalecer a autoestima, o espaço social, a cidadania e o direito à maternidade com responsabilidade de jovens mães em situação de risco social. A Lua Nova tem se destacado na reinserção social de jovens mães usuárias de crack. 

Marcha da Maconha

Raquel Barros disse que apoia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação a legalidade da marcha da maconha como um evento de liberdade de expressão, mas não defende a apologia às drogas. Ela acredita que nesse momento é mais interessante realizar iniciativas para articular as áreas de serviços. “Temos que ter várias estruturas de serviços funcionando adequadamente de forma integrada para desenvolver ações em conjunto, portanto, devemos fazer marchas para integrar essa rede que está desarticulada”, conclamou ela.

A psicóloga lamentou as falhas que existem atualmente nos setores voltados à atenção aos usuários de drogas. Segundo ela, a rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) é limitada, as Comunidades Terapêuticas não acolhem os usuários de forma adequada e as ações na área de Redução de Danos, politica do Ministério da Saúde, também são insatisfatórias do ponto de vista das demandas dos usuários. “Essas três áreas precisam funcionar de forma integrada para diminuir o problema do uso de drogas no País”, sugeriu.

Política Nacional

Raquel Barros teceu comentários sobre a política nacional sobre drogas, lembrando que falta regulamentação dos benefícios conquistados nos últimos anos. “Se a política é a de redução de danos, então é preciso regulamentá-la, disse ela, acrescentando que se fosse adotado criteriosamente o que está escrito na legislação, teríamos uma excelente política pública nessa área”

A psicóloga reconheceu que há avanços nas políticas públicas que devem ser enaltecidos. “A Lei propõe que haja intervenções através dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), bem como na rede SUS. “O que falta é colocar em prática o que já está na Lei, o que não acontece porque há muitos interesses em conflito”, analisou ela.

Barros destacou que a Lei atual sobre drogas tem um dispositivo muito importante para a promoção da inserção social de usuários que é o incentivo fiscal para empresas que apoiarem projetos nessa área. “No entanto, as empresas não querem envolver seus nomes em parcerias com essa causa, os empresários preferem financiar projetos voltados às crianças”, lamentou.

Raquel disse que a Lei sobre drogas não é conhecida e sugeriu que a população se mobilizasse mais para defender seus direitos nessa área, como acontece em outros países. É preciso haver mais controle social por parte dos segmentos interessados nessa área, disse.

Internação compulsória

Indagada sobre a polêmica da internação compulsória, Raquel Barros afirmou que não acredita em intervenções forçadas na área de droga. Ela alerta que é preciso evitar que o problema chegue a esse ponto porque se alguém precisa ser forçado a um internamento é porque não houve outras abordagens, ou então, elas foram feitas de forma inadequada. “Há grande preocupação é não negligenciar para que o dependente não corra risco de vida; nesse sentido, é preciso articular as redes de serviços que tem o dever de cuidar desse paciente”, destacou.

- Existem vários modelos de intervenção que devem funcionar de forma articulada e integrada. Raquel esclareceu que o usuário não deve ser visto com o olhar reducionista focado só no uso de drogas. “O usuário é uma pessoa que tem vários tipos de necessidades, precisa estudar, trabalhar e se relacionar afetivamente etc; se suas tentativas nos ambientes de tratamento não forem bem sucedidas, o problema está na falta dessa articulação dos serviços”, criticou. 

O Ministério Público em alguns Estados tem adotado a prática da internação compulsória para usuários de crack, disse Raquel, acrescentando que “isto é apenas uma demonstração de força que não vai alterar a eficácia dos modelos de tratamento”.

Segundo ela, a visão que precisa ser adotada não é a da imposição de um modelo de tratamento, mas a capacidade de poder trabalhar com o outro. Barros acredita que todos os modelos de intervenção podem ser eficientes desde que sejam implementados de forma articulada a partir de ações integradas, onde cada um reconheça seus limites e, principalmente, as necessidades do outro.

Reinserção social

Com relação a sua área de atuação específica, Raque explicou que a reinserção começa no momento em que você se aproxima do usuário para conhecê-lo e se interessar pelas suas necessidades. Segundo ela, o tratamento tem que ter como objetivo principal a reinserção, ou inserção social do individuo. “O trabalho na área de drogas só vai funcionar se você olhar para o usuário como uma pessoa que tem necessidades a serem atendidas e não apenas como um mero usuário de drogas, é preciso perceber a capacidade que ele tem para desenvolver outras habilidades que não apenas a de se drogar”, enfatizou.

Quando você consegue enxergá-lo como uma pessoa capaz de desenvolver outras habilidades, você já estará reinserindo-o no seu meio, no seu campo de interesse social, na sua ação; o próximo passo será ajudá-lo a desenvolver suas habilidades, ensinou.

- Na Lua Nova nós trabalhamos com o dependente químico estimulando-o a desenvolver habilidades produtivas para a geração de renda, esse é o nosso modelo de tratamento, informou.

Quando eles conseguem se tornar produtivos, através do processo de trabalho e geração de renda, então esses usuários começam a se reerguer como pessoa, contou Raquel.

Raquel continuou explicando que a ação da Lua Nova está focada em secundarizar a droga e focar nas habilidades que o usuário possa desenvolver.

Preconceito

Instigada a falar sobre a questão do estigma social contra usuários de drogas, Raquel explicou que o preconceito contra eles  vem da visão da demonização da droga que é transferida para o indivíduo que faz uso de algumas substâncias. “Quando não conseguimos dar conta de todos os problemas, somos forçados a excluir alguns, é isso que acontece com os usuários de drogas, são excluídos”.

O problema nem sempre são as drogas, prosseguiu, elas são apenas substâncias inertes, só causam problemas quando entram nas nossas vidas e nós não estamos com as nossas relações bem estruturadas. Para Raquel, o preconceito deve ser trabalhado mostrando-se os bons exemplos praticados pelos usuários, ao invés de estigmatizá-los apresentando suas fragilidades de forma sensacionalista. “Devemos mostrar as habilidades que eles são capazes de desenvolver, divulgar aquilo que essas pessoas são capazes de fazer quando deixam de usar drogas; isto poderá mudar o preconceito”, destacou.

Recursos Humanos

Raquel comentou o problema da formação de recursos humanos e o papel das universidades na área da drogadicção. Para a empreendedora social, a relação de demonização da droga também faz dos profissionais especialistas dessa área verdadeiros deuses.  No Brasil vigora, disse ela, a visão de que para se trabalhar com drogas tem que ser um “expert”; na verdade, isto não funciona. Raquel acredita que quanto mais alta a titulação do profissional menos oportunidade de contato com o usuário ele terá, e trabalhar com o usuário de drogas, para ela, é buscar o relacionamento com essas pessoas.

- Infelizmente, lamentou, a nossa visão é a de que é preciso ser doutor para trabalhar com alguém que usa drogas, na minha perspectiva, pelo menos, isso não funciona. “Entretanto, as universidades estão procurando novas práticas, o mesmo está acontecendo na área da política com o plano de enfrentamento ao crack, que já começa a valorizar as intervenções comunitárias como prioridade para a questão das drogas”, esclareceu.

2 comentários:

  1. Muitas vezes a gente despresa as pessoas que a utilisa, só que devemos pensar de maneira diferente, sem desprezar as pessoas jogando, empurrando para o abismo. Não pode ser por aí. Tudo bem, que é um vício, mas como todos os vícios as pessoas devem serem tratados, com o apoio da familia. E talves, pode ser também a falta de estrutura das famílias, as péssimas condições do próprio lar, e quem sabe se as famílias pudesse ajudar nesse momento.

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  2. Quando se fala em droga, está falando dos adolescentes, porque infelismente são os adolecentes que mais padecem com tudo isso, devido a falta de estrutura mesmo das famílias, as condições de vida, o apoio moral, afetivo, a falta de convivencia com os pais, e até mesmo a falta de seus pais. Tudo isso os levam a esse caminho que muitas vezes se tornam um caminho sem volta.

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